Filha, a partir de hoje escreverei para você. Cartas que sempre escrevi mentalmente, porém agora as escrevo aqui, as deixo registradas e guardadas, para que um dia você possa ler.
Hoje é quarta-feira, 06 de abril de 2016. São 12:44. Está nublado e chove. Ontem você foi a Cachoeira para casa de seu pai, toda de princesa.
Estou só. Com enorme nó na garganta. Choro muito.
<Agora num dia em que eu choro, eu tô chovendo muito mais do que lá fora, lá fora é só água caindo enquanto aqui dentro cai a chuva>.
Tem um sol timidamente tentando aparecer entre as nuvens cinzas. Dá até pra ver um pouco do céu azul.
Tem uma esperança tentando aparecer timidamente entre a melancolia. Dá até pra ver um pouco de vida.
Penso em morte. Penso na minha vó: velha, cansada, cheias de limitações, pedindo para morrer. Penso na minha própria morte. Me vejo sem perspectivas, acho que não tenho mais jeito, que danou-se. Me sinto sendo consumida.
Por que não consigo resolver meus problemas? Por que preciso depender dos outros? Por que preciso pedir, implorar, humilhar-me? Isso pode ser orgulho. Pode ser ego. Pode ser vitimização. Pode ser vaidade. Só sei que isso me dói a cabeça. Me consome.
In mim há uma explosão de sentimentos, idéias e potências. Mas permanece In mim. Me sinto impedida de potencializar tais potências. De materializar as idéias. Preciso me desescolarizar. Quanto aos sentimentos: vida que segue.
<estar sozinho quando estar sozinho e só estar sozinho quando estar sozinho e só>.
Sabe filha, tenho muita vontade de jogar tudo pro alto: vender todos estes móveis, roupas, sapatos, computador, e me jogar no mundo. Mas, e você?
Tenho muita vontade de me matar. Mas, e você? Você tão pequena e feliz, não merece que eu enlouqueça, que eu morra, que eu fuja.
Eu tento <manter a espinha ereta, o coração e a mente tranquilos>. Mas, não está sendo fácil. Tampouco a morte “resolveria”. Sendo bem egoísta, resolveria apenas para mim.
O suicídio é coragem e covardia num mesmo ato. Tomar uma atitude e decisão de dar fim a própria vida, mesmo que por um In-pulso, requer coragem.
Covardia por não enfrentar os problemas. Os problemas sempre têm soluções, senão não há problemas. Isso é lógica.
Eu tenho a consciência do que fazer e estou fazendo. Sei que mais pra frente os resultados irão aparecer, que as coisas vão se ajeitar. Mas os beats e os poetas marginais têm razão: o aqui e o agora.
E o aqui e o agora me desespera. Me devora. Me cansa. Me desconcentra. Me angustia. O que me resta? Me consolar com um possível futuro promissor? Sacrificar todo meu presente? Até quando me perderei nesta rua sem saída? Quantos passos são precisos para pular o muro?
Eu sinto muito. Nas costas, ombros, cabeça. E como quero me livrar disso.
<quero explodir as grades, e voar… suspender a queda livre, libertar>.
Mas aí eu penso em você, Maria Alice. Lembro de você toda feliz de princesa. Toda feliz que ia ver o papai. Penso que daqui a seis dias estaremos juntas, dormiremos abraçadas, você pegando no meu cabelo. Que vamos dançar e cantar juntas. Molhar as plantas. Arrumar a casa. Cozinhar, fazer bolo. Tomar banho juntas. Vamos ler. Comer pipoca. Passear. Tudo que sempre fazemos. Que me ocupa com alegria e amor. E aí, já penso em vida. Esqueço essa besteira de suicídio ou de cair no mundo. O suicídio sempre deixa culpa e tudo que eu quero é desculpar.
<eu só peço a deus um pouco de malandragem>.
Hoje li um texto: A quem tem uma certa vontade de escrever, por Ray Bradbury onde o autor fala da importância de se escrever diariamente, escrever sem pensar, intelectualizar. A reflexão e a intelectualização vem depois. <toda experiência é inacabada>.
E meu pai sempre dizia: escrever é um exercício diário. Eu sempre gostei de escrever diários e cartas. A melhor forma de eu me expressar é pela escrita. Por ela verbalizo meus sentimentos. E por isso filha, te escrevo. Para que um dia você possa ler e ter seus próprios entendimentos. Para que você saiba de sua história. Porque nossa história não é apenas eu, mas uma constelação de nós: atados e desatados. Nosso eu começou num tempo longínquo, de outra galáxia, e cada a ser que gerimos e parimos, vamos construindo essa constelação.
Filha, olhei para varanda agora: nasceu uma florzinha rosa. A cor que você mais gosta neste momento. Veio um sorriso espontâneo quando vi a florzinha, pensei logo em você, que surpresa boa você terá quando voltar!
Os beats, os marginais, o Ray Badbury e meu pai têm razão: escreva. Sempre. Apenas deixe as idéias e os sentimentos virem.
<Você fracassa somente se parar de escrever>.
Respiro mais aliviada. Seco meu rosto. São 14h16. Acabou o beck. Veio a fome. E mentalizo para mim mesma: fique tranquila, você vai conseguir. Vai dar certo.
<bobeira é não viver a realidade, e eu ainda tenho a tarde inteira>.
Ainda bem que escrevi. Ainda bem que fumei um beck. Ainda bem que tenho você. Te amo.
Salvador, 06 de abril de 16
14h18mints.
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Autora:
Maíra é escritora e psiconauta. Criadora da Página: Diário de Uma Mãeconheira.