Eu convido você a imaginar um fósforo aceso, cuja chama vai crescendo e, aos poucos, o consumindo até a queima total. Conseguiu visualizar? Na língua inglesa, existe um verbo, acrescido de preposição, que expressa a ideia de algo que se esgota, que se queima por completo: burn out. E é justamente daí que vem o termo burnout. Conhece?
O termo burnout – que também vem sendo chamado, em terras brasileiras, de síndrome do esgotamento profissional – foi utilizado pela primeira vez em 1974 pelo médico Herbert Freudenberger para descrever um estado de esgotamento mental e físico que tem como causa as condições do ambiente de trabalho.
Apesar de o DSM-5, o maior catálogo de doenças mentais do mundo, não mencionar o burnout, ele é descrito no CID-11 (Classificação Internacional das Doenças) como uma resposta ao estresse laboral crônico (QD85). Na década de 1970, os pesquisadores Maslach e Schaufeli apontaram que a síndrome do esgotamento profissional tem três dimensões importantes e necessárias para o diagnóstico: exaustão emocional, sentimento de despersonalização e falta de realização, todas elas quando relacionadas ao universo laboral. A partir daí, inúmeros sintomas se apresentam: cansaço permanente, insônia, sentimentos de fracasso, desesperança e incompetência, dificuldade de concentração, dores de cabeça frequentes, dores musculares, alterações repentinas de humor, isolamento e alterações cardíacas e/ou gastrointestinais. Uma pessoa com burnout não tratado pode desenvolver quadros de depressão, ansiedade e outras doenças psicossomáticas.
Podemos trazer o conceito de burnout do universo do trabalho para o universo da maternagem – que é toda a gama de cuidados destinados à criação das crianças, realizados, na maioria das vezes, pelas mães – e falar de burnout materno? Mesmo não constando do DSM-5 nem do CID-11, nós, mães e profissionais mulheres que cuidam de outras mães, sabemos empiricamente que, sim, existe o burnout materno.
Cuidar de uma criança, fazê-la desenvolver-se da melhor maneira possível, é um trabalho (e, no momento, existe a discussão sobre a remuneração do trabalho doméstico, incluído aí a criação dos filhos) que reúne uma série de tarefas: cuidados com saúde física e mental, acompanhamento da vida escolar, oferta de lazer, entre outras tantas. Envolve disponibilidade de tempo, realização de escolhas nem sempre fáceis e atenção permanente. Mas, ao mesmo tempo que qualquer pessoa reconhece o quanto o exercício da maternagem pode ser cansativo, existe ainda a ideia de que as mulheres naturalmente sabem o que fazer, nasceram para isso e estão dispostas a renunciar de bom grado a qualquer coisa que não seja o maternar. Muitas vezes, essa cobrança por performance materna soma-se a outras tantas cobranças que recaem sobre as mães: manter-se jovem e dentro do padrão de beleza, ter sucesso profissional, estar sempre disponível para o sexo, estar atenta e responsiva às necessidades de outros membros da família… Enfim, é uma conta que não fecha, e tentar fazer frente a essas exigências pode levar à exaustão emocional (dificuldade de se conectar com as necessidades dos filhos e as suas), sentimento de despersonalização (autoimagem prejudicada, deixando de se reconhecer como boa mãe, como boa pessoa) e falta de realização (não consegue fazer o mínimo ou age no modo automático, sem qualquer prazer na maternagem), ou seja, os três eixos que definem o burnout.
Como prevenir o burnout materno? Ou, o que fazer para sair dele? Trago aqui algumas sugestões para servir de reflexão e desejo que possam se tornar ações concretas, porque ser mãe já é uma vivência ambivalente, intensa e conflituosa por si só, como são todas as relações humanas nas quais investimos afeto. Não precisamos adicionar dores desnecessárias.
Ninguém nasce mãe. Aprende-se, e é um aprendizado em constante transformação, onde se erra e acerta.
Desconstrua, com o pai da sua criança (independentemente do relacionamento que vocês tenham), a ideia de que você sabe cuidar mais porque é mãe. Cuidar se aprende. Criem uma rotina compartilhada de cuidados.
Se você é mãe solo ou não, busque construir uma rede de apoio. Como diz o ditado, para cuidar de uma criança, precisa-se de uma aldeia inteira.
Peça ajuda, seja de parentes, amigos ou, inclusive, ajuda profissional (psicóloga, psiquiatra). Não espere chegar a situações extremas.
Ser mãe pode ser a sua melhor parte, mas não é a única. Tenha metas pessoais e invista tempo e energia para realizá-las. Ser uma mulher feliz é bom para seus filhos e, em especial, para você.
Por Rosa Maria Noronha Dias – CRP 05/20745 – Psicóloga clínica, gestalt-terapeuta, educadora, especialista em Psicologia Clínica-Institucional e em Violência Doméstica, fazendo formação em atendimento a Casal e Família. Mãe de um casal de filhos já adultos e escritora de Literatura Infantil. Insta: @psicologa.rosa.dias