Interior da Bahia, 1935.
Eu era a única filha entre três irmãos.
Doenças levaram os outros seis.
Meu pai não me queria. Soube aos cinco.
Via outras crianças passando com uniforme de escola.
Eu queria ir também.
Mas meu pai não me queria.
“Quem quiser comprar uma menina, estou vendendo está aqui”, ele dizia.
Não entendia por quê.
Não entendia.
Não entendia.
Não entendia.
Aos nove, comecei a trabalhar.
Na casa da branca Nair
Lavava e passava roupa para nove pessoas — a mesma idade que eu tinha.
Mandava dinheiro para minha mãe.
Comprava caderno para meus irmãos.
Nada ficava pra mim.
Meu pai morreu, mas o amor dele nunca foi meu.
Casei sem dizer sim.
Meus ombros responderam por mim.
Sem amor.
Sem amor.
Sem amor.
Mesmo assim, vieram nove.
Sete sobreviveram.
Cruzes eram para mim.
Cheguei aos 89 anos, mas ainda tenho 5.
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Autora: Marli Amorim