À espera na cafeteria

Captura De Tela 2025 10 15 172736

Quantas coisas podem acontecer dentro de uma cafeteria? Hoje, constatei que absolutamente tudo. Na espera, enquanto a filha vai realizar a entrevista para tirar o visto para algum país longe daqui, são tantas cenas, que é quase impossível descrevê-las cabalmente.

Uma amiga de uma amiga, que numa ligação com a voz um pouco alta entrega o tempo que está sentada no sofá, descreve que acompanha uma moça de Santa Catarina em busca da permissão de entrada no país longínquo. Mesmo que não queira participar, sou obrigada a saber de qualquer novidade. Não posso deixar de ficar abismada com a facilidade que as pessoas conseguem realizar ligações telefônicas em qualquer hora e lugar. Sou traumatizada pelo serviço em call center — ter sido operadora de telemarketing há mais de 20 anos foi uma experiência da qual nunca me recuperei.

Uma família inteira comendo em silêncio — sinal de que um jejum forçado havia se quebrado — tem seu momento digestivo interrompido por uma ligação, que o pai atende (alguém em outra cidade precisa de uma chave), e começa-se aquele entrave de informações e possíveis soluções entre os responsáveis, e o filho solícito pede com gestos que a voz paterna seja diminuída.

Vejo uma senhora olhar os assentos procurando lugar vazio, e ofereço o espaço ao meu lado num banco confortável, ao mesmo tempo que espero que ela não ache que sou alguma oportunista ou coisa parecida. Numa grande metrópole, qualquer gentileza é lida como tentativa de golpe. Ainda bem, ela aceitou meu convite. Passa-se alguns segundos e ela ouve um áudio enviado no serviço de mensagem e novamente participo de uma outra dinâmica, agora envolvendo cotações e propostas, mas não saberia especificar de qual espécie. Pelos trajes e joias que usa com certeza envolve grandes negociações.

Sua espera foi bem curta, já que em pouco tempo sua filha chega com ar de comemoração, muito feliz pois poderá ir à viagem familiar àquele parque temático famoso. Parece que a humanidade é realmente dividida entre quem já foi ou não ao célebre lugar de diversões, e me lembro do vídeo engraçado de uma palestra do mestre Suassuna. Sorrio por dentro.

Em alguns momentos, a aparente calmaria é quebrada com a alegria inata das crianças e todos da cafeteria são contemplados com um festivo anúncio de uma mãe posicionada na porta do banheiro acessível, que parabeniza a criança com grande satisfação e sem querer informa à todos no local que seu filho concluiu com sucesso o número dois. A família, que já está na mesa quase em frente, comemora com exaltação.

Pessoas que aguardam recebem com satisfação as pessoas aguardadas, há abraços de satisfação com o sucesso do processo e questionamentos afetuosos a respeito de toalete e fome latente.

Uma mãe envia uma mensagem de voz para que a filha acorde, se arrume para ir às aulas e avisa de antemão que pediu um marmitex para entregar em casa. É praticamente impossível não ouvir e se envolver, pois o cansaço da tela me faz buscar informações em outros lugares.

Outra mãe faz uma chamada de vídeo e eu escuto a voz de um menino com 12 anos aproximadamente, revisando todas as atividades que fez naquele dia e no diálogo ela enfatiza que o combinado familiar: quando a mamãe não está em casa,  ele é responsável pelas tarefas e deve obedecer a vovó. É muito gostoso ouvir essa conversa afetuosa com um sotaque tão característico de um estado do sul.  Mães nunca param de cuidar, nem que seja à distância.

Sinto que tudo é realmente a contemplação da vida sendo vivida, com expectativas, cansaços e muita cafeína envolvida. Esperar é não saber o que se irá enfrentar. Exercita-se o otimismo, muitas vezes se preparando para aquele “não” ou aquela frustração, e quem aguarda precisa ser o ponto de sustentação. Mentalmente ensaia-se para o pior, querendo receber uma resposta positiva, e nesse ofício de atriz amadora,  procuro qual a parte do diálogo que me cabe: congratulação ou consolo?

Olho para a entrada ansiosamente (serão os muitos cafés que tomei?) e, como os minutos passam de forma implacável ou arrastada, tento de alguma forma que o tempo passe mais rápido e aquele desfecho aguardado se concretize. A cada rosto, uma investigação, à procura de vestígios de missão bem sucedida no consulado, o que é um bom indicativo do que pode acontecer com minha filha, ou se é só alguém querendo tomar um café, o líquido precioso que nos faz segurar a barra de todos os dias.

Naqueles rostos que procuram mesas e cadeiras vazias, universos de vivências são escancarados por ombros caídos, semblantes cansados ou olhos que buscam encontrar uma feição conhecida. Reconheço que a fadiga me abateu e escrevo o relato que compartilho no pequeno caderno que trouxe, esse objeto que acaba se tornando a minha tábua de salvação para a ansiedade.

Registro para que esse momento fique gravado na minha mente, e como sinal de uma promessa de que preciso escrever em qualquer momento, sem ficar aguardando o tempo certo chegar. As mulheres precisam a todo momento reivindicar um teto que seja só seu para escrever.

Como mãe, a concessão do visto é ver a felicidade no rosto da minha filha, um start em seus sonhos e idealizações, mesmo sabendo que é um grande passo para bem longe. Tão longe que eu também vou precisar dessa autorização oficial de um governo, para entrar nesse futuro, mesmo que seja como visita.

Vejo seu rosto se aproximando depois de tanto tempo e seu sorriso largo é o sinal de que podemos ir para casa, nossa casa. E, ao aconchegá-la perto de mim, percebo que abraço de mãe conforta, sustenta alegrias e reafirma que todas as mães são a base do mundo.

_

Renata e Silva Castro Farias – @refarias1976

Autor

Deixe um comentário

Rolar para cima
0

Subtotal