Ser mãe era um sonho de menina. Um desejo antigo que adormeceu com o diagnóstico de infertilidade. Mas no início da pandemia, fui surpreendida pelo positivo mais impactante da minha vida.
O filho tão esperado estava a caminho. A gravidez foi de alto risco, com intercorrências, parto prematuro, UTI, internação. Mas meu menino, valente como só ele sabe ser, venceu cada fase com coragem. Nasceu forte, gordinho, o bebê dos sonhos de qualquer família. Ainda assim, algo me inquietava desde a gestação. Um pressentimento mudo. Eu orava para que estivesse tudo bem, que tudo fosse perfeito.
O tempo passou e tudo parecia correr bem. Aos seis meses, mamava no peito com vontade. Iniciamos a introdução alimentar — ele rejeitava texturas, sabores. Normal, diziam. Seguimos, adaptamos. Mas aquela inquietação persistia. Havia algo no olhar dele que me dizia: “atenção”.
No desenvolvimento motor, tudo ia como o esperado. Mas o olhar… aquele olhar me paralisava. Nas redes sociais começaram a surgir vídeos sobre autismo. E meu coração, mesmo relutante, reconhecia sinais. Tentamos afastar o pensamento, fingir que não era nada. Mas o que é, permanece.
Ele não sorria com frequência, nunca chorou com lágrimas. Era um choro gritado, dormia apenas no peito. Precisava de uma rotina rígida. Não dava tchau, não mandava beijo. Os brinquedos não tinham a função esperada. E aquelas mãozinhas… avisavam.
Doze meses. Um ano. Um marco. Mas cadê as palavras? Não vinham. Sem balbucios. Apenas sons soltos. Ele se isolava, brincava sozinho. Fugíamos da angústia como podíamos.
Vieram os especialistas, exames, avaliações. Até que chegou o laudo: uma sigla fria, um número impessoal — CID 6A02. Transtorno do Espectro Autista.
Naquele instante, o mundo silenciou. Eu lia e relia, sem compreender — ou compreendendo até demais. O corpo pesava, o chão sumia, tudo estreitava ao redor. Foi como viver um luto silencioso — o luto da ideia. Do menino que imaginei dizendo suas primeiras palavras, se enturmando na escola, conquistando o mundo com autonomia. Tudo, de repente, parecia distante.
Mas então, nasceu outro filho diante de mim. Não o que idealizei, mas o verdadeiro. Aquele que sempre esteve ali, mas meus olhos, embaçados com as lentes do idealismo, não conseguiam ver. Agora com um diagnóstico, um laudo e um novo caminho – ainda imprevisível, mas real.
E nasceu outra mãe também. Uma que não teve tempo de se preparar. Foi jogada no furacão, sem aviso. E mesmo assim, precisou se reerguer e aprender a guiar seu menino por um caminho desconhecido para ambos.
Vieram as terapias: fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, psicopedagogo, fisioterapia, análise do comportamento. Três vezes por semana. Cada sessão um esforço — de agenda, de corpo, de alma, de bolso.
Porque tudo pesa. O tempo que escorre como areia. O cansaço que não dá trégua. O financeiro que aperta. A rotina cronometrada. Você se esquece. Se anula.
E o medo. Ah, o medo. Medo de não entender o que ele precisa. Medo de que o mundo não o compreenda. Medo do futuro — agora cheio de interrogações.
Será que ele vai falar? Vai estudar? Ter amigos? Ser aceito? E o medo mais cruel: e se eu não estiver aqui amanhã? Quem vai entender o olhar que só eu decifro? Quem vai protegê-lo?
A maternidade, que já é feita de dúvidas, se transforma em campo minado. Você pisa com cuidado. Reseta sonhos. Repensa tudo. Mas no meio dessa tempestade, nascem descobertas. De força. De resiliência. De uma conexão que dispensa palavras. A gente segue. Por amor. Porque não há outro caminho. Porque, apesar de tudo, ainda é o maior presente que a vida me deu.
Filhos não vêm como idealizamos. Vêm como são. Como precisam ser. Como nos transformam. Eles são presentes surpresa. E, de forma quase irônica, o universo te entrega exatamente o filho que você precisava ter. Ele me moldou. Me refez. Me revelou. Ele não precisa dizer “mamãe” para que eu saiba. O amor que ele sente me atravessa. Ele me olha e eu entendo. Eu olho e ele responde. Desenvolvi o dom de traduzir silêncios.
E, no fim, essa é outra história de amor. Mais desafiadora, sim. Mas, com certeza, mais profunda.
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Bibianne Terra / @bibianneterra





