Sempre fui a criança boazinha e obediente, aquela que nunca dava trabalho.
Quando eu tinha apenas dois anos, meu irmão nasceu. Ele era meu oposto: agitado, chorão, vivia se colocando em risco e sofreu diversos acidentes domésticos. Hoje, tenho quase certeza de que ele apresentava algum transtorno, como hiperatividade.
Meu pai, alcoólatra, nunca colaborou com o cuidado dos filhos nem com a casa, mas exigia que tudo estivesse em perfeito estado.
Minha mãe não dava conta sozinha e, desde que o caçula chegou, fui designada babá e ajudante doméstica. Era elogiada por ser responsável, uma mocinha. Sabia cuidar do irmão, sabia limpar a casa. Mas, se ele fizesse algo de errado, apanhava os dois — afinal, eu não tinha tomado conta direito.
Eu era proibida de contar as brigas que presenciava dentro de casa, e assim fui sendo silenciada. Sempre perdida nos meus pensamentos e preocupações que nenhuma criança deveria ter.
Meu irmão era muito dependente da minha mãe — e ela, dele. Não havia espaço para mim. Sempre me senti rejeitada e preterida.
Quando saíamos juntos, ele ganhava alguma coisa, e eu ouvia que podia esperar. Afinal, mesmo com apenas dois anos de diferença, ele era “pequeno” e “não entendia”.
Meu irmão era querido, elogiado e convidado para tudo pela vizinhança, por ser simpático e esperto. Já eu era vista como sem graça, antipática, lerda.
Eu nem sabia brincar na rua com as outras crianças — porque eu não sabia que era criança. Eu não me encaixava.
Fui ensinada, desde muito pequena, a usar roupas curtas e justas. Com apenas 11 anos, meu corpo já chamava a atenção dos homens. Relacionei-me com muitos deles simplesmente porque não sabia dizer “não” sem desagradá-los. Escrevendo isso, sinto um ódio tão grande!
Aos 13, já saía à noite, bebia e voltava para casa de manhã.
Nunca tive namoradinhos na escola — afinal, eu era “muito madura” para ficar com meninos da minha idade. Foi o que me fez acreditar a vida inteira.
Aos 14, já namorava um rapaz de 19. Trabalhador, fazia minhas vontades, era o príncipe encantado aos olhos da minha família. Mas não aos meus. Perdi minha adolescência, porque ele praticamente morava na minha casa.
As mulheres da minha família, marcadas por relacionamentos tóxicos, me faziam sentir culpada. Diziam que eu nunca encontraria alguém melhor, toda vez que eu queria sair com as meninas da minha idade ou fazer coisas de adolescente.
Aos 17, me apaixonei perdidamente por um rapaz da minha idade. Minha mãe não aceitava que eu trocasse um homem que “me dava tudo” por um menino que nem havia concluído o ensino médio. Briguei com todos, bati o pé e, pela primeira vez, estava dizendo NÃO, impondo minha vontade.
Mas durou poucos meses. Quando ele soube que eu já tinha uma vida sexual antes dele, me traiu, me humilhou e me maltratou por semanas — até terminar comigo.
Fui do céu ao inferno em pouco tempo.
Aos 20, me casei com um homem mais velho. Éramos o casal perfeito e admirado, mas com um detalhe: não nos amávamos. E eu não me importava. Achava bom, porque o amor havia me deixado cega.
Descobri a primeira traição um mês antes do casamento. Briguei, mas escolhi seguir mesmo assim. Ouvi da família que todo homem trai, que trocar de homem era apenas trocar de problema.
Descobri outras traições ao longo do relacionamento, mas uma em específico me feriu profundamente: uma vizinha. Todos sabiam — inclusive nossas famílias. Entrei em depressão. Sair de casa para ir ao trabalho era uma humilhação constante.
Consegui sair desse casamento levando apenas a roupa do corpo… e mais um trauma.
Hoje, tenho muita dificuldade em terminar relacionamentos. Nunca me acho suficiente e sou emocionalmente dependente. Me apego à falsa sensação de segurança, sentindo-me como uma criança vulnerável sendo amada, cuidada e escolhida com o mínimo de atenção e afeto que recebo.
Talvez seja o reflexo da criança negligenciada que fui — da menina que era adulta demais para ser acolhida e protegida.
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Autora: Laiza Candido / @laizacandido





