(Re)ssignificando um capítulo do livro de minha vida

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É possível apresentar uma história de vida através de seus registros, envolvendo assim não só uma memória individual, mas uma memória coletiva. Quando os gatilhos disparam, evocamos lembranças e, por elas, voltamos a um tempo onde histórias passam a ter ou não um reconhecimento, devido à memória ser constituída por pessoas que se tornam personagens de uma narrativa.

Nesse sentido, somos remetidos a momentos esquecidos, deixados de lado e que se perdem com as gerações futuras. Uma dessas perdas é não saber ou não se sentir confortável em deixar registrada sua/nossa história.

Sabemos que escrever sobre si, em muitas situações, é dolorido e desconfortável. Mas acredito que há histórias que fazem pessoas perceberem que certas vivências servem para reconstituir um capítulo da vida, voltando ao passado/presente na construção de uma nova história.

A riqueza que temos dentro de cada história/trajetória deve passar pela ousadia de ser investigada por si mesma ou por indivíduos próximos, devido a trazer reminiscências do passado que nem sempre são prazerosas. Contudo, quando apresentadas sob a questão dos problemas cotidianos, possibilitam a identificação de pessoas com as experiências do outro.

Nesse sentido, realizar uma reflexão de si e dos seus é permitir irmos ao interesse em usar a escrita como forma de encorajamento e de reconciliação com o seu próprio passado. É nessa linha de raciocínio que trago um capítulo de minha vida.

Meu Capítulo

Sou uma mulher-menina, negra, paraibana e umbandista, que está chegando aos seus 4.5 de muita satisfação por ser mulher e mãe. Escrever sobre mim me leva a uma mobilidade de reflexões sobre minha história.

Casei sem ter a certeza que era isso que realmente queria. Ao comunicar a família, minha avó materna me aconselhou: “Minha filha, deixa eu te fazer um pedido: não seja mãe cedo.” E assim fiz, absorvi o conselho de minha avó. Ela nunca foi de aconselhar, mas esse conselho permaneceu em minha mente.

Casei no dia 17 de maio de 1997, um dia antes de celebrar meus 16 anos. Foi um casamento cheio de dúvidas e incertezas, duas crianças se entregando a uma responsabilidade matrimonial para que a sociedade não nos julgasse. Devido às incertezas, eu evitava ser mãe. Tantas coisas estavam sendo vividas, sofridas e no silêncio. E nesse pensamento de ser ou não mãe, eu pensava em ficar mais presa do que já estava.

Foi um casamento de altos e baixos, por sermos dois jovens que queriam apenas curtir a vida. O tempo passou. Não tinha quem me orientasse e foi difícil conseguir trabalhar, até porque minha estatura física me dava medo. Meço 1,47m de altura e, na época, pesava 34kg, o que me deixava insegura.

Cheguei aos meus 21 anos pesando os mesmos 34kg e de repente pensei: “Será que eu sendo mãe o marido muda?” Do nada, comecei a ter uns sintomas estranhos. Pensei logo: “Deve ser a saúde.” Conversando com uma colega, relatei que não estava me sentindo muito bem. Ela me disse: “Ei, papai tem convênio no laboratório, tu não quer fazer um exame de sangue?” Aceitei.

Enjoos, vontades… E de repente, no dia 24 de julho de 2001, saiu “o resultado” de que viria mais um membro para complementar as famílias. Pensei: “Como vou dizer à mainha que estou grávida?”, até porque era casada, mas vivia nas dependências dela e era mais uma boca para ela alimentar.

Quando a ficha caiu, surgiram as incertezas, as preocupações, as dúvidas e o medo de não me sentir capaz de ser mãe. Não sabia se ria ou chorava, mas a sensação era de felicidade e não de tristeza. Mas como dar a notícia?

Como tudo está escrito no livro da vida, minha mãe perdeu um primo. Nas dependências da rodoviária, pensei: “Um bom momento para informar que ela seria avó.” Enquanto estávamos sentadas na espera do ônibus, eu disse: “Mainha, tenho algo a lhe dizer.” Ela disse: “Diz logo.” “Estou grávida.” Ela me olhou e disse: “Parabéns.” Nos abraçamos, e assim meu coração se acalmou.

Os três primeiros meses foram terríveis, muitos enjoos. No decorrer da gravidez, havia olhares distorcidos, críticas, motoristas de ônibus que não abriam prioridades, eu tinha que passar na roleta, entre tantas reações que me deixavam com vergonha de mim mesma. Mas aproveitei cada dia que esse serzinho viveu dentro de mim. Digo e afirmo que foi a melhor fase de toda a minha existência.

Os meses passavam e meu corpo se modificava, mas com vontade de transformar o mundo para a chegada de uma benção. Curti cada momento, realizei chá de bebê, o qual só pedi fraldas de pano, porque se já era difícil viver dependendo das pessoas, imagine pensar no serzinho dependendo também, se era minha responsabilidade.

Fiz meu pré-natal e, por mais que eu tenha feito diversas ultrassons, nunca tive a curiosidade de querer saber se era menina ou menino. Independente de gênero, eu queria tê-la(o). E os meses passaram. A última ultrassom informou que a criança viria no dia 21 de abril de 2002. Não é que o exame errou? Como coração de mãe não se engana, eu sabia que vinha MÁCIO VINÍCIUS, meu menino que chegou de presente no dia que ele e o nosso Criador determinaram.

E no dia 08 de março de 2002, uma sexta-feira, às 12:26, na maternidade do Hospital General Edson Ramalho, em João Pessoa-PB, de parto normal, ouço um choro que se torna música para meus ouvidos. E acreditem: em 24 horas estava indo para casa carregando nos braços o meu melhor presente.

Hoje, através da escrita, posso homenagear meu rapaz e quem sabe possibilitar que leitores tragam para si novos olhares, podendo ou não se inspirar. Entendendo que todas(os) temos problemas parecidos e que possamos agradecer à vida, porque a vida é para ser vivida e não apenas lamentada. Que nossas vivências e experiências possam sim ser transformadas em gritos através da escrita.

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Karina Ceci de Sousa Holmes – @karina.ceci

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