Me tornei uma mãe atípica

Me tornei uma mãe atípica

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Por Laureana Santos Feitosa – @nossavidaatipica23

Para algumas pessoas esse texto vai parecer “modinha de internet” e até “clichê”, afinal de contas as redes sociais e as mídias em geral têm o poder (que damos a elas), de banalizar palavras importantes.

A função de informar as pessoas passou a ser desgastada a ponto de utilizarem tanto um determinado termo, expressão ou palavra, que estes passam a perder o sentido. Algumas pessoas influentes já falam sobre isso atualmente, mas a questão é que palavras que deveriam ser utilizadas de forma responsável, para pautas realmente necessárias, estão caindo na “mesmice” e na “desimportância” que não lhes cabe. Eu poderia citar muitos exemplos, mas o foco aqui são palavras referentes ao título deste pequeno texto. 

Não sei se outras mães alguma vez já se incomodaram com o fato de serem chamadas de “mãezinha”, mas eu me incomodo. No meu caso, passei a sentir um frio na espinha só de ouvir tal palavra. E eu até tolerava, não fazia sentido para mim uma pessoa totalmente estranha me chamar de mãezinha, podendo me chamar pelo meu nome ou pelos pronomes pessoais comumente utilizados na nossa língua, mas eu até achava engraçado, sem sentido, mas engraçado. 

Porém passei por determinadas situações na minha vida de mãe, onde toda vez que alguém vinha me chamando de “mãezinha”, já vinha uma notícia ruim logo em seguida: “Mãezinha, infelizmente não temos vaga pra ele na nossa escola”, “Mãezinha, sem o Laudo ele não pode estudar aqui”, “Mãezinha, infelizmente ele não vai poder permanecer na escola porque não temos estrutura para lidar com o seu filho”. Depois de tantas frases negativas vindo seguida da palavra “mãezinha”, eu não consigo ouvir sem sentir uma pancada antes de apanhar. Desenvolvi um tipo de trauma.

Mas falei da palavra mãezinha porque outro termo surgiu e, as pessoas costumam colocar a gente em caixas. Você precisa de um rótulo, principalmente na internet, por exemplo, “mãe solo”, “mãe atípica”. E aqui cheguei na minha caixa. Esta mãezinha é uma mãe atípica. E se eu fizer uma autoanálise rápida, digo sem medo que posso sim estar dentro do espectro autista, mas de fato não tenho um diagnóstico e isso não é uma questão para mim. Afinal, como uma “boa garota” e ainda mais não branca, precisei cuidar cedo para não me deixar transparecer, nem minhas diferenças, medos, fraquezas, “manias”. Porém, sou mãe atípica porque meu filho é autista e não eu (supostamente).

Eu gosto dessa expressão. De fato, eu sou uma mãe atípica sim. Até porque muitas mulheres não têm o privilégio de escolherem ser mães, como eu. Muitas não têm a sorte de terem o pai (atípico) do lado, participativo e responsável. Sou uma mãe atípica porque, apesar desse mundo e dessa sociedade, eu mulher não branca (é difícil se dizer preta quando me dizem mestiça), tenho sobrevivido. Sou uma mãe atípica sim, pois não durmo mais que três horas há alguns anos. Sou uma mãe atípica porque como meu filho não foi aceito em duas escolas, à princípio, eu tive que alfabetizar ele em casa, e aos três anos ele já sabia ler. 

Sou uma mãe atípica porque tive que me reinventar totalmente, meu corpo, minha mente, minhas atitudes e meus sonhos. Sou uma mãe atípica porque conto com o apoio incondicional do pai do meu filho e meu companheiro (coisa rara nesse mundo, não é mesmo?). Sou uma mãe atípica porque me colocaram nessa caixa. As mães atípicas são consideradas barraqueiras por lutarem pelos direitos dos seus filhos; elas muitas vezes são excluídas pelos amigos e até familiares.

Finalmente, depois de me reconhecer como uma mãe atípica, independente do autismo do meu filho ou do meu (caso eu um dia vá em busca do diagnóstico), eu percebi que a partir do momento que você decide (ou não) ser mãe, você se torna tipicamente uma pessoa atípica. E sim, tipicamente porque se tornou comum o sofrimento das mães. E embora estejamos gritando muito mais nos últimos tempos, ainda nos custa sermos ouvidas. Deixo aqui meu sincero agradecimento à minha mãe que já era uma mãe atípica e ao meu companheiro, que é a minha única rede de apoio (por favor, não banalizemos essa expressão também). 

Vale ressaltar que uma mãe e um pai que têm um filho ou filha autista, passam sim por mais desafios, precisam, sim, de uma dedicação e esforço em dobro. Mas não existe uma competição para ver se quem sofre mais são os pais atípicos ou típicos. O fato é que uma criança (ou adulto, ou adolescente, ou idoso) neuro divergente exige sim um cuidado específico. Não se trata de sentir pena, basta respeitar e ser empático.

Revisão: Luiza Gandini – @lougandini

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