Um minúsculo labrador preto com pouco mais de trinta dias. Uma promessa: agora é para sempre, neguinho. A primeira eternidade conjunta. Cuidar de um ser. Aprender. Ser mãe de pet me ensinou a ser mãe de gente — e a ser mais gente também.
Sua chegada veio de um sim irrefletido. Início de relacionamento. “É uma loucura.” “Ele será grande.” “Viajo demais.” “Nunca tive cachorro…” A vida é agora, Ivanilda, ela argumenta. Pensar demais antes de agir é uma prisão. Penso eu. Vamos, meu nego. Tua casa é aqui.
Se um é bom, dois é melhor. A vira-lata foi amor de internet. Paquera de Instagram. Abandonada. Resgatada. Amada. Arisca e arredia. Chegou. Caiu doente. Doença grave. Injeções. Medos. Passeios em sobressalto. Eu havia sido avisada: qualquer barulho a assusta, o som dos carros a estressa. Passara dias amarrada.
Sofreu bastante.
Eu também sofria. O fim daquele amor. A perda após tantos sins – de ambas.
Os dias eram cinzas. O sol e o riso dos outros atiçavam feridas abertas. Sem vontade sequer de levantar, eu me erguia. Caminhava. Duas vezes por dia. Remédios. Veterinário. Se isto não é maternar, não sei o que seria.
Anos se passaram. Sempre juntos. Pandemia. Isolados. Sem pôr os pés na rua. Primeira saída após três meses: Labrador com dor nas costas. Precisava andar. Os exercícios que tentara com ele na sala agravaram o problema. Recomendações médicas: passeios diários por ruas desertas. Use máscara.
Faltavam-nos mar e ar. Viajamos juntos. Últimos dias do primeiro ano pandêmico. Fotos dos meus filhos aparecem numa rede social. Os reconheci. Trigêmeos. Quase 2, quase 4, 10 anos. Alterem-se os dados do cadastro. Ampliem a idade. Aumentem o número.
Latidos e gritos. Amor e desafios. Família é construção diária. Ainda mais com crianças com uma história anterior à de vocês. Dores. Resistências. Testes diários e inesperados. “Ficarás conosco para sempre? Me amarás mesmo na minha impertinência, meninice, rebeldia?”
E nos meus piores dias? Não és santa. Gritas como nunca imaginaste gritar. Choras noite adentro. Tua vira-lata te consola e te conduz ao dia seguinte com suas lambidas.
Ter filhos é decidir amá-los mesmo quando pareça impossível.
Labrador precisa andar. Crianças? Brincar. Comer. Correr. Aprender. Tentas existir. Às vezes, é possível. Tantas outras, não. Se eles não forem tua prioridade, serão de quem? A maternidade é totalizante.
É preciso dinheiro. Trabalhar. É preciso reconhecimento. Esforça-te. O mundo anda muito ruim. Lutas. Uma mordida. Duas. Crises de asma. “Livre-se dos cachorros!”, bradam. Jamais. Eles me libertam. Persistência. Conviver com uma cachorra reativa é aprendizado para crianças pequenas. Não a abandonar é uma certeza.
Esta família não desiste de si.
Impor limites. Filhos podem se tornar algozes. Uma amiga relata a experiência de mulheres extraordinárias reféns do ímpeto dos próprios descendentes – todos biológicos. Ensinar valores. Compartilhar crenças. Desconstruir preconceitos. Encontrar as melhores companhias para eles. Para mim.
Há quem se afastou. Há quem esteve perto mesmo quando era arriscado. Risco de vida. Crianças pequenas não usam máscaras com destreza. Nem ficam dias longe do sol, da rua, do vento. A solidão do maternar.
Mudança de cidade, de prioridades. Nova escola. Acolhimento. Crianças crescem. Novas demandas. Cachorros envelhecem (rápido demais). A urgência de aproveitar os dias. Vencer o cansaço. Paciência. Resiliência.
Vínculos mais profundos. A certeza da permanência. Constância. O prazer do cotidiano. A beleza de crescer junto.
Seguimos.
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Autora: Ivanilda Figueiredo / @profaivanildafigueiredo





