Fadas, espantalhos e as “mães de verdade”

Claudia V Claudia Vecchi Annunciato 682x1024

Como mãe de filho único, tive a oportunidade de oferecer alimentos saudáveis sem interferência “dos pouco recomendados” e “dos impensáveis no quesito nutricional” por um bom tempo. Começo assim porque quem tem mais de um sabe da tarefa, no mínimo impossível, de manter os padrões com o segundo depois que o primeiro já entendeu o caminho das pedras.

Ainda no período da educação infantil, meu filho disse que queria experimentar um certo macarrão feito em três minutos — cuja falta de interesse em “publi” me leva à omissão da marca — algo que qualquer mãe sabe que será pauta em algum momento da vida alimentar do seu rebento. E, por um tempo, consegui atender aos pedidos substituindo por macarrão cabelinho de anjo, ovo mexido e um pouquinho de requeijão. Gostoso, nutritivo e igualmente rápido no preparo. Mas… crianças aprendem a ler, e aí algo tem que ser pensado e feito rápido, às vezes na gritaria do corredor do supermercado.

No meu caso, a estratégia usada foi me valer da boa e velha tática da mentira sentimental — julguem-me à vontade — e então disse para seus lindos olhos castanhos: “Quando uma mãe prepara esse macarrão para sua criança, uma fada morre!!!”. Algo que julguei divertido e útil, lido em um meme de rede social algum tempo antes.

Mas, além de ler, crianças aprendem a mudar procedimentos que falham. E a minha pediu ao pai o que queria comer — afinal, ele não colocaria as fadas em risco.

A rapidez na percepção do meu filho no pequeno detalhe do meu discurso de rede social me mostrou, na suposta graça, uma verdade cuja camada crocante vem de uma receita mais complexa da nossa sociedade: as mães recebem mais responsabilidades que os pais. Ou seja, meu marido nunca seria um assassino de fadas, já eu…

E a vida segue, e os filhos crescem e finalmente entram na tão aguardada adolescência — ironia, só pra deixar claro o teor da crônica — e uma amiga relatou a dura crítica recebida de seu rebento teen: “Os lanches que os amigos levavam para a escola são muito mais elaborados que os feitos por você!”. No exemplo, ele mencionou que um levava hambúrgueres com palitinho e azeitona presa no topo. Ela, que não gosta de cozinhar, estava indignada com a comparação. Eu, entre a gargalhada e a imagem de azeitonas com pimentão de emoji que surgiam na mente, fui atingida pelo questionamento: Por qual motivo uma mãe de adolescente coloca uma azeitona no palitinho em um hambúrguer de lanche escolar?!?

E qualquer resposta diferente de “ela acha que deve sempre fazer o seu melhor” — independentemente do quão ridícula a ideia lhe pareça — sempre colocará essa mãe como culpada, louca ou errada.

Mães são culpadas por fazer demais, por fazer de menos, por fazer seu melhor, por fazer o que dá às vezes, por esquecer ou, como no meu caso, por tentar conter uma chacina de fadas imaginárias de internet!

“Somos vilãs!” Não importa o motivo, sempre nos veremos como erradas. Entrando aqui nosso autojulgamento, que, na minha opinião, é o que nos coloca no lugar mais cruel, pois, sem perceber, corroboramos, no nosso imaginário, o discurso coletivo — ou surto institucional, como preferir.

Muitas vezes, nos vejo engrossando o caldo com frases do tipo “Pior são as mulheres que…” – e aí sirva com qualquer acompanhamento que já tenha ouvido, Chegamos então à falácia do espantalho, deturpando argumentos e os simplificando ao ponto de, se algo tocar, por mais brevemente, no que é delegado ao ambiente feminino, a deliciosa “camada quente e crocante” de nossas personalidades individuais só existirá para ser quebrada.

Jamais degustada, digerida e respeitada — isso não! Você apenas deve ser discreta, ou será vista como um problema do conceito “mulher” e, portanto, a nos pesar sobre os ombros, que tentamos manter íntegros e em postura de miss, em nosso pedestal/sarjeta do patriarcado.

Quando os pais são divorciados e a guarda é compartilhada, a “crostinha crocante” a ser destruída é um “pouco” mais espessa e associada ao pensamento compensatório, mais ou menos assim: “‘Sabeládeus’ o que essa criança comeu semana passada, bora deixar a comida o mais diversificada, nutritiva, colorida e, quiçá, até com azeitonas de emoji em palitinho em cima?”

Nesse momento, acredito que se as fadas estivessem vivas e os espantalhos não fossem apenas metáforas de argumentos distorcidos, também se compadeceriam de cada uma de nós, mães, que já tivemos um pensamento similar. Afinal, não importa como somos, sempre em algum momento não correspondemos à categoria de “mães de verdade”, embora, em tese, sejamos as únicas responsáveis!

Ups! Acho que acabei de matar mais uma fada com um palitinho de azeitona de emoji. Foi mal. Tentarei melhorar na próxima.

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Claudia Vecchi-Annunciato – @clauvciato_escritora

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