O corredor era o de número 06, como a carta dos Enamorados do tarô — não sei por que me lembrei disso. Fiquei parada, olhando aquela diversidade de cores, formatos e cheiros. Feitas para transportar o usuário para além do mero movimento diário e enfadonho da higiene, algo muito maior do que o simples e prometido “matar bactérias”. Alguma coisa que contorna e, ao mesmo tempo, transborda, num raro momento de aconchego.
Fragrâncias que, em meio à névoa da condensação, garantem um dos poucos isolamentos possíveis na Terra, onde a solidão permite o fluir da consciência, como a água que acalenta o corpo trabalhador.
Essências florais, como os campos que nunca visitei, cujas fotos nas embalagens são mais bonitas do que qualquer ramalhete que vi — e dos raros que recebi. Aromas além do esforço do dia, do suor e do desassossego.
Promessas de brisas do mar e de janelas esvoaçantes que ocultam os corpos fatigados depois do amor. Amor que caminha em praias. Que tem, nos pés, a areia do passo tranquilo, da conversa revigorante ao pôr do sol, das mãos dadas, dos sonhos planejados ou do relembrar dos momentos vividos. Tantas esperanças em noventa gramas.
Às vezes, é impossível escolher o próximo sabonete.
Por Claudia Vecchi-Annunciato – @clauvciato_escritora
