Cada escolha conta

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Cada escolha conta na vida de uma mulher, quando isso se refere a escolha de ser mãe. A potência de nossas escolhas cresce; às vezes se enche de boniteza e medo, igual bolha de sabão em tarde de primavera no parque, prestes a estourar. Foi assim que escolhi ser mãe um pouco tarde, como disseram os doutos da medicina. , Mas o que fazer se esse era meu desejo naquele momento?

Engravidei de um companheiro que com o tempo se tornou esposo, e depois ex. Mas essa é outra história, que o tempo levou e as lágrimas deram conta de curar as feridas. Um relacionamento de mão única, onde meu afeto e atenção se recusaram a perdoar tudo em nome da família “margarina”. Ali me descobri forte e aguerrida no desejo de retomar minha vida e futuro pelas mãos.

Escolhi ser mãe, consciente do meu desejo, sem saber o que me esperava. No ano de 2011, com pressa de ver o mundo e, suspeito, sentindo o quanto era desejado e amado, nasceu um Cisco de gente, com 6 meses, sem se dar conta que era muito cedo para estar nesse mundo.

Ele era frágil no corpo, mas guerreiro na alma. Foram muitas cirurgias e cinco meses de espera para finalmente ele sair do hospital e vir para casa. Estava exausta de ser mãe de UTI neonatal, com dezoito quilos a menos, somado a uma força que se misturava com fé, amor, esperança no universo, nos orixás, nos santos, em tudo que acredito e consagro em minha vida.

Chorei somente duas vezes naquele período difícil que ficou na memória; porém não era tempo de lágrimas, mas de caminhar.

A primeira vez chorei quando voltei para casa após alguns dias internada, pois meu parto foi difícil e violento para nós dois; isso me deixou em um cenário de terra arrasada, tanto no corpo quanto na alma.

Descobri que a tristeza e o desespero doem no corpo. Nunca senti dor igual, em meio às lágrimas, qual torrente em dia de tempestade! Espero nunca mais sentir aquela dor. Tempos depois li em um artigo que essa dor realmente existe e provavelmente é uma das mais lancinantes que o corpo pode suportar.

Na segunda vez, estava exausta e triste. Após quatro meses meu corpo estava cansado de ser ordenhado de todas as formas. Embora eu precisasse fazer isso por nós dois, eu me sentia secando, qual planta esquecida em algum canto da casa.

Ele nasceu em fevereiro, um peixinho curioso pela vida. No primeiro Dia das Mães daquele ano, uma amiga enviou flores, gesto que senti tal qual um sopro de alento. Até então eu era a mãe do Cisco e, naquele dia, me senti apenas Mãe. Descobri que tem diferença, pois ao ser reconhecida como uma mãe, me senti acalentada e pertencente ao mundo das mulheres que gestam, que são moradas de afeto de alguém, e que tem direito de ser continente para o outro, quando assim for o nosso desejo. Enfim, nasceu uma mãe consciente de seu papel social e político. Escolhi ser essa ‘categoria’ de mãe.

Cisco veio para casa em uma tarde de inverno, tinha um tom de pele verde que realçava com um macacão de bichinhos que usava. Na primeira foto ele sorriu de olhos fechados. Foram muitos banhos de sol, terapias, profissionais de saúde com os quais teci afetos, acordos e, algumas vezes, limites para não perder meu lugar de especialista em Cisco e suas necessidades.

Ele cresceu assim, cheio de estímulos e muito amado. Descobri outra forma de amar duranteesse processo: o amor que deseja a emancipação e autonomia do outro, pois se ele alcançasse isso, eu teria vencido as estatísticas da ciência. Escolhi amar desse jeito na vida e terminei o casamento quando Cisco tinha quase 3 anos.

Antes disso, porém, chegou Tonton na nossa vida, uma menina que me deixou seis meses de cama em repouso, gestando sua chegada ao mundo, pois também tinha pressa em nascer. Tempo de leituras, filmes, música, bordados e muitas conversas com Cisco e com ela para que soubessem do meu amor, através de minhas palavras e gestos.

Disseram que eu era louca de ter outro filho. Eu escolhi ser mãe de novo porque eu queria – e porque talvez não tivesse mais oportunidade, afinal o tempo corria ligeiro, sem se importar com os planos do futuro. Também me casei novamente, com um companheiro que cultiva afetos e amor.

O tempo passou, Cisco cresceu, andou e falou no tempo dele, a despeito das terapias; os dentes nasceram tardiamente, mas assim como terminou de formar seu corpo em uma incubadora, ele pouco a pouco se desenvolveu forte e saudável.

Aos seis anos ele me chamou para outra caminhada, um diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. Foi a terceira vez que chorei por ele, por mim, por nós, e escolhi caminhar com e não por ele.

Novos profissionais chegaram nas nossas vidas. Apresentei a eles minha forma de ver o mundo e a forma como eu escolhi criar nosso Cisco, para, no momento dele, poder fazer suas escolhas e desenhar seu caminho. Ele foi mais assertivo que eu, criou laços, e suspeito que enfeitiçou as pessoas à sua volta com seus grandes olhos verdes.

Fizemos vários pactos e escolhemos caminhos juntos, terapias e terapeutas, e ele conseguiu em determinado momento dizer que só suportava até três, depois dois e um dia ele disse:” mãe, já chega”.

Respeitei suas escolhas, afinal eu escolhi criar uma pessoa apartada das minhas expectativas e que sonhasse por si. Hoje, com quinze anos, ele está prestes a virar novamente a esquina em busca de seus sonhos, estudar tecnologia da informação, abraçar seus interesses, ciente de suas limitações e dos limites que pode romper.

Daqui eu o vejo, maravilhada com o caminho que ele desenha, em folha nova ou por cima das antigas, sem se preocupar com o passado e cheio de planos para o futuro.


Amanda Márcia dos Santos Reinaldo / @amandamsreinaldo

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