Foi em 2016 que eu e meu marido conversamos sobre ter filhos. Ansiosa como sempre, eu hesitava e listava situações que enfrentaria caso engravidasse, como se pudesse ter algum controle sobre isso. Mas, quando levantamos a hipótese de adotar, a decisão se deu em poucos minutos. Foram – coincidentemente – 9 meses desde a entrada na papelada até a habilitação, e mais 15 na fila de espera.
Não recebemos nenhuma ligação anunciando a chegada de nossos filhos. Nós os (re)encontramos pela busca ativa, que procura uma família para crianças de difícil adoção (mais velhas, com deficiência, grupos de irmãos…). O perfil que li era intimidador, mas então enviaram uma foto dos meninos. Foram quatro dias “incomodada” com a história deles, quatro dias sem compartilhar sua existência com meu marido (só eu, por ser a mais racional, fazia parte do grupo da busca).
Então externei minha aflição e decidimos conhecê-los – foi a coisa mais estranha do mundo. Depois de um mês de encontros, recebemos a notícia de que eles poderiam ir para casa conosco. Encheram nosso carro de brinquedos e do que mais podiam levar, e lá fomos nós, para nossa cidadezinha, distante duas horas da família. Só. Nós. Quatro.
Quatro também foram os quilos que perdi em um mês por causa de estresse, carga mental, culpa. Quatro foram os meses que se passaram até que decidíssemos nos mudar de cidade e ficar perto da nossa rede de apoio (viva ela!). E pouco menos de quatro anos foi o tempo necessário para eu me aceitar como uma boa mãe, ou melhor, uma mãe suficientemente boa.
Mas, até chegar a esse ponto, criei muitas lembranças difíceis. Meu primeiro Dia das Mães, por exemplo, foi bastante desconfortável. Alguns dias antes, quando fazia seis meses que os meninos haviam chegado, a escola de natação que eles estavam frequentando preparou uma aula com as mães para homenageá-las. Apesar de eu não gostar de datas comemorativas, topei participar porque vi a expectativa nos olhos dos meus filhos.
Quando chegamos à piscina, outras mães nos olharam com estranhamento – afinal, as crianças ali tinham uns 4 ou 5 anos, e os meninos, 7 e 11. Eu, com dois filhos grandes (que, além de tudo, eram altos para a idade), tive que fazer malabarismo para participar das atividades que as outras mães realizavam com uma só criança. Fingi emoção em momentos-chave da homenagem, mas ainda não havia desenvolvido tanta intimidade e afeto por eles a ponto de realmente me sentir tocada por tudo aquilo.
Em outro Dia das Mães, durante o café da manhã, meu filho mais velho passou um bom tempo falando sobre sua vida antes de ir para o lar de acolhimento, e ficamos mais de uma hora conversando com ele sobre sua genitora quando percebemos que era a esse assunto que ele queria chegar.
Nas histórias de adoção, há filhos que não contarão com a figura da mãe no dia que a celebra, pois eles podem ter um pai solo ou dois pais. Uma data assim pode trazer muitos gatilhos; o importante é respeitar a história da criança e dialogar quando sentir que é o que ela deseja. Despender esse tempo para conversar não é fácil, ainda mais porque, como mãe, você também cria uma expectativa: a de que este dia será de leveza e alegria, já que, em tantos outros momentos do ano, há exaustão e cobranças.
Levei alguns anos para começar a me respeitar e entender que eu não precisava ter ido naquela aula de natação. Eu estava passando por uma adaptação difícil à nova vida (que depois descobri que era o puerpério, também presente na adoção). Além disso, conhecendo meus filhos como os conheço hoje, faltar àquele evento não teria causado uma grande frustração se eu tivesse sido transparente. Acho que eles nem se lembram direito de como foi a homenagem, pois também estavam sentindo um turbilhão de emoções. Viva o tempo que tanto nos ensina!
Ainda há dias em que eu só quero abrir uma porta para minha vida pregressa, para respirar um pouco e depois voltar, mas vejo o quanto os meninos me transformaram. Pergunte a uma mãe o que mudou nela positivamente depois dos filhos e ela dirá que se tornou mais empática, com menos julgamentos. Sinto empatia por todas as mães, porque não há trabalho mais difícil do que este; empatia pela minha melhor amiga, a minha mãe, que deve ter passado por muitos perrengues durante nossa criação, mas “só” o que nos chegava era o seu amor.
E, ainda que às vezes cometendo o velho deslize da culpa materna, hoje consigo me olhar no espelho e dizer: “Você é capaz”.
Por Rachel Reis – @rachmrsl





