Uma carta pra Chico, Natália Aguilar – @nataliaaguilarpsicologa
Filho querido, essa é a história de sua vida. Uma história de descobertas, de conexão, de dor, mas sobretudo, de muito amor. Você foi um bebê que a partir da descoberta da sua existência, foi muito querido e amado. Me ensinou coisas que jamais pensava ser capaz de viver. Me deu coragem para a vida, alegria aos meus dias e a certeza de que o amor certamente transcende essa vida física.
Era abril de 2014 e já tinha dias que eu passava mal com enjoos. Foi quando fiz um teste de gravidez. Bingo! Dois risquinhos vermelhos confirmando que você já estava ali.
Contei para seu pai, que ficou feliz do jeitinho dele. Ele cantou uma música pra mim, ‘Pequena’, do Nenhum de Nós: “Envelhecendo estou, E pronto pra crescer, Junto com você… Estrela, em breve serás mulher, Para ampliar minha fé…” Tive ali a certeza de que ele seria um paizão pra você, que cuidaria de nós com todo seu amor.
Nossa primeira consulta foi no início de maio. Dias depois, fui acometida por um pequeno sangramento, o qual me fez ir ao pronto-socorro e antecipar a primeira ultrassonografia. No momento de ouvir os batimentos cardíacos: Silêncio. –Não tem batimentos! Disse o médico, assim, seco! Perguntei o que isso significava e ele respondeu: –Não dá pra saber se é um aborto ou se o coração ainda não formou. Precisa acompanhar. Ninguém deu esperanças!
Uma semana depois, eu teria outro exame. Dias angustiantes, meu filho! Queria alimentar a esperança mas, ao mesmo tempo, já percebia o meu corpo “desengravidando”. Sentia que os hormônios estavam baixando, os enjoos não eram mais frequentes, a barriga não estava mais dura e os seios haviam murchado. Queria acreditar que seu coração ainda não tinha formado, mas meu corpo já me dizia que você estava indo embora.
No dia do exame, veio a pancada com as duras palavras da ultrassonografista: “-Você engravida de novo depois, essa não deu.” Estava vivenciando um aborto retido.
Dia 1º de junho, comecei a sentir fortes dores. Fui entender depois que havia entrado no seu trabalho de parto. Senti você sair. Quis te ver mas, naquele momento, não me parecia certo. Hoje fico com essa saudade, filho… uma saudade de não ter te visto. No dia seguinte, precisei ir para o hospital, pois ainda sentia muitas dores. Lá, fui encaminhada para uma curetagem.
No centro cirúrgico, fui recebida por uma enfermeira que ainda consigo lembrar-me de seu doce semblante dizendo: –Vou cuidar de você, não chore! Foi o único cuidado genuíno que senti daquela equipe de saúde. A médica veio me examinar dizendo que faria meu procedimento. Depois, numa conversa de corredor, ouvi algo que só fui entender depois: “– Eu tenho uma cureta. -Eu tenho uma cesárea. – Vamos trocar?”
Entendi que eu era a cureta dessa conversa somente no momento em que cheguei à sala de cirurgia e me deparei com outro médico para realizar o procedimento. Ao fim, ouvi-lhe dizendo “Acabou” e nunca mais o vi. Logo em seguida, ouvi o chorinho de outro bebê nascendo na sala ao lado.
O que veio em seguida foram dias solitários, frios e sem graça. Sentia tanta saudade de estar lhe esperando, filho… Parecia que meu corpo tinha falhado, que eu tinha falhado em gerar você e eu sentia vergonha de ter que conversar com as pessoas. Me deparei com sentimentos ruins… senti inveja, quis muito ser compreendida e me culpava por sentir tudo isso. Fui conversar com um padre, pedir perdão… fui acolhida por 4 pessoas que a psicologia me deu de presente, elas foram anjos, choraram comigo, me deram colo, cuidado e afeto. Tenho eterna gratidão!
Dia 13 de junho, dia de celebração na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, a vovó me chamou para ir à missa. Aceitei! Lembro que seu bisavô, quando vivo, ia sempre nessa igreja e voltava com uma rosa branca da Santa. Pensei comigo: “quero trazer uma rosa branca pra casa, pra alegrar um pouco meus dias”. Chegando lá, me deparo com uma placa que dizia: “As rosas foram ofertadas para Nossa Senhora, favor não retirar.” Não retirei.
Ao fim da missa, estava a caminho da porta, quando senti um ‘cutucão’ em minhas costas. Era o rapaz que cantava no coral. Rapaz de uns 40 e poucos anos, cabelo meio grisalho, usava óculos e com um olhar muito doce. –Oi, tudo bem? É a primeira vez que você vem aqui? -Sim, nessa igreja é minha primeira vez! -Vi seu rostinho, não conheci e senti vontade de te dar boas-vindas! Seja muito bem-vinda. – Ah, obrigada.
Ele tira a mão de trás das costas e a leva em minha direção. –Toma, a Mãe mandou pra você!
Ele me entrega uma Rosa Branca. Eu embargada, com a voz trêmula e muito emocionada, só consigo dizer: –Obrigada!
Senti ali que não deveria buscar explicações, mas sim confiar e para isso, eu precisaria nutrir minha esperança e minha fé.
Hoje, meu querido Chico, ressignifico a sua vida todos os dias quando me levanto para cuidar de mulheres e famílias que passam por esse luto. Trabalho para que sejam acolhidas e compreendam que, mesmo em meio de tanta dor, é possível ver beleza no luto que simboliza não só a morte, mas também a vida. Difícil? Muito! 11 anos da sua passagem, às vezes, ainda me pego pensando como seria se você estivesse conosco.
Agradeço e honro a sua vida, meu filho! Por você ter me apresentado a maternidade e ter me mostrado o quanto de amor cabe em meu coração! Precisaria ter muito amor mesmo, porque eu mal sabia que você seria o primogênito de 4 irmãos: Chico, Pedro, Laura e Mariana. Você e seus irmãos dão vida aos meus dias e mesmo nos dias difíceis, tenho a convicção de que viveria tudo de novo, porque vocês são a minha história e parafraseando Hanna Arendt (1968), toda dor pode ser suportada se por trás dela puder ser contada uma história!
Com amor,
Mamãe.





