Perturbada

Liana S QyKsBGE2tys Unsplash

— Hum… ele está olhando de volta. Que lindo… (e)

— Olhem para baixo. (a)

— Vai parecer que somos oferecidas. (nn)

— Por quê? (Anne) 

— Olha o tamanho da nossa barriga. (a)

— É, não dá pra fingir que é de gula. (e)

— Só se for de outra coisa… (nn)

Anne segue a caminhada noturna mirando o chão. 

— Não podemos mais fu… flertar? (nn)

— Ou só se interessar. Era tão bonito… (e)

— Quem vai querer uma barriguda? Nem conseguimos ver a própria vulva. (a)

— E nem estamos nos cuidando pra isso. (Anne)

— Vixi, nunca mais nos depilamos. (nn)

— Nem fomos à manicure. (e)

— Muito menos aparamos as pontas, ou fizemos as sobrancelhas. (nn)

— Sem falar que é promíscuo. (a)

— Ficar bonita? Transar? (nn)

— Sair sozinha, se oferecendo nesse estado. (a)

— Vão perguntar de quem é o bebê — diz Anne.

— E se é casada. (e)

— Mas a médica falou que seria bom namorar… (nn)

— Pois é, o esperma tem qualquer coisa que ajuda no trabalho de parto — disse Anne.

— Vamos pegar sífilis, isso sim. Ou coisa pior. (a)

Anne arregalou os olhos ao atravessar a faixa de pedestres. As vozes não davam trégua.

— Deixa de ser pessimista! (nn)

— Basta nos cuidarmos. (e)

— Tá, mas vai parecer muita carência. (a)

Anne sacou a chave do bolso e abriu o portão. Entrou. 

— Precisaria comprar uma roupa. (e)

Correu os olhos pelas peças estendidas no varal da garagem. 

— Uma que preste. Só temos legging e blusão. (Anne)

— E onde iríamos? (nn)

Cruzou a porta da sala, foi direto ao banheiro. Despiu-se. Ficou cara a cara com o espelho.

— Uiii!! (unânime)

— Magricela. (e)

— Peluda. (nn)

— Barriguda. (a)

Ligou o chuveiro. A água morna escorria.

— Precisamos dar um jeito nisso. (nn)

— Pra quê? (a)

— Por nós mesmas. (e)

— Vou marcar o salão. (Anne)

Talvez, quem sabe, o carinha do trabalho perca a timidez. (e)

— Ainda nisso? (a)

— Ah, ele gosta da gente. (nn)

— Pode até ser, mas não é louco de se envolver. (a)

— Ele tem jeito de ser nhami. (nn)

— Qual posição seria boa pra nós? (e)

— Será que cabe um pau ali? (nn)

— Tenho a impressão que nosso canal está mais curto. (Anne)

Fechou a torneira e tocou-se. Suspirou.

— Parece que está tudo aqui. (e)

Riu e começou a passar hidratante. Mas… e a barriga? (a)

Vestiu o pijama e desabou sentada no vaso sanitário. Chorou. 

— Deixe-nos em paz, A! (e)

— Acho que nunca mais iremos namorar. (nn)

— Iremos nos sentir culpadas por se meter com qualquer um. (a)

— Chega! (Anne)

Passou a toalha no rosto. 

— Parem. Talvez o carinha do trabalho nem nos queira. E, se sairmos, é capaz de não encontrarmos ninguém. (e)

— Muito animador. (nn)

Ligou o secador de cabelo. 

— Vão achar que não amamos o bebê. (a)

— Credo, A… (e)

— Ou que somos piradas. (a)

— E não somos? (nn)

Secou os fios. Apagou a luz. Guiada pela claridade da noite, chegou até o quarto e enfiou-se debaixo das cobertas.

— Vão à merda! — disse Anne, fechando os olhos. 

— Com o que iremos sonhar? (e)

— E podemos sonhar? (nn)

Silêncio.

Camilla Miranda Martins – @millarte108

Autor

Deixe um comentário

Rolar para cima
0

Subtotal