Para sempre sol

Giovana Bonelli 19 Priscila Miranda 682x1024

10 anos…

O que temos de especial nesses 10 anos entre 2008 e 2018? Temos o sonho da maternidade alcançado, temos crianças maravilhosas e temos uma mãe doente…

Todos dizem que gravidez não é doença, porém, no meu caso, infelizmente foi. Em 2008, tive pré-eclâmpsia e um parto prematuro com 34 semanas na primeira gestação. Isso, resumindo toda a questão.

O medo e o susto, o estresse pós-traumático, a quebra de expectativa, a tentativa de ser perfeita, tudo se encaminhou para a primeira depressão pós-parto. Com o adicional da demora das pessoas em volta de perceberem por falta de conhecimento e atenção. E também pela forma que foi iniciando: não com choro, mas com super energia e fazendo tudo como se fosse um robô. Lá se foram dois anos inteiros para uma recuperação. Com tratamento, apoio e muito esforço pessoal.

Em 2018, mais uma gestação e tudo o que poderia ser feito como prevenção. Agora seria tudo diferente e desfrutaria da maternidade desde o início. Outro parto prematuro, dessa vez contrações ainda com 33 semanas e nascimento com 36 semanas. Porém, todo o esforço não seria suficiente e mais uma vez o quadro de psicose puerperal aconteceria. Ainda pior do que da primeira vez.

De novo, mais tratamentos, mais sofrimento, mais perdas… E, após dois longos anos, reinício da vida. Sempre aos poucos, retomando cada questão.

Há muita coisa para ser dita sobre esses dois acontecimentos, porém, quero focar em uma específica. A perda que sinto por estar mentalmente ausente nesses períodos. Apesar de durante as duas vezes ter amamentado e ter tido contato com os bebês, na minha percepção era como se não tivesse conexão. No começo, fazia tudo com muito esforço, tentando dar o meu melhor, mas, com a evolução do quadro, chegava à exaustão. Em crise psicótica e com a perda da noção de realidade, é possível perceber que as coisas se complicaram. Mesmo assim queria estar com os bebês, queria fazer as coisas, ainda que com ajuda e supervisão. Sentia uma culpa enorme por não estar bem e achava que, por não estar conseguindo, precisava morrer.

Outras pessoas, como os avós por exemplo, poderiam cuidar das crianças melhor do que eu. Eu não era boa o suficiente. Eu não dava conta. Eu não isso, eu não aquilo… E durante meses, nas duas vezes, precisei de supervisão 24 horas por dia para não conseguir realizar qualquer um dos vários planos mirabolantes de tirar minha própria vida.

Depois de anos, consigo lembrar muitas coisas, incluindo detalhes dos delírios e alucinações visuais e auditivas. Lembro também de querer ficar “boa” rápido. Mas, isso realmente não era possível com toda a bagunça hormonal, fisiológica e emocional… Demora. Tem também o tempo de ter atendimento especializado, tentar acertar medicações, trocar de médico, dentre tantas outras demandas. Está longe de ser do dia para a noite.

Apesar de os bebês terem sido cuidados, de terem a minha presença física e meu esforço dentro das condições possíveis daquele momento e de ter tido amparo familiar, eu sinto uma grande perda. Me perguntava por que eu? Como as outras mães conseguem? Elas não ficam doentes. Podem curtir seus bebês desde o início, estão bem e funcionais.

Tudo o que eu queria era uma maternidade típica, como da maioria, com gravidez não sendo doença. Pós-parto natural. Algo dentro da normalidade, simplesmente. Nem chegando na questão da maternidade utópica e idealizada, apenas uma que não fosse adoecida e incapacitante.

Até hoje, quando escuto a notícia de alguma nova gravidez, nem consigo ficar feliz, como a maioria. Eu tenho medo. Mesmo não sendo comigo, apesar dos anos de terapia, ainda é algo que me assusta. Ainda me sinto desconcertada perto de bebês e crianças de até dois anos de idade. Sinto que não sei o que fazer, que não sou natural e intuitiva como as outras pessoas. Tenho vontade de chorar. Chorar pelo tempo de qualidade que não tive e que gostaria com meus filhos. Chorar minhas memórias de doença, de remédios, surtos, alucinações, pensamentos suicidas, pensamentos intrusivos, ruminações incontroláveis e ruins, de desespero.

Mesmo recuperada e vivendo todos os outros momentos com eles, sinto a perda desse início. Sinto que a maternidade de muitas mães é roubada por doenças no pós-parto. Sejam emocionais ou físicas. Tudo o que priva uma mãe de estar bem com seus filhos é no mínimo triste demais.

Não vejo a realidade de partos humanizados, nem profissionais preparados, nem empatia de familiares e sociedade no geral. Apenas cobranças e julgamentos.

Choro por mim e por tantas mães que, sem apoio e tratamento, nunca voltam a desfrutar de saúde. Desde as mães de antigamente, que diziam terem tido “recaída”. Mães que ficaram “loucas”. Mães que nunca mais voltaram “ao normal”. Mães que sequer tinham tempo de se recuperar, tendo um bebê por ano praticamente.

Ainda temos muito preconceito, falta de conhecimento e falta de especialistas para cuidar das questões de saúde materna. O pré-natal é importante, com toda certeza. Mas, e depois? Apenas “vida que segue”? Nem sempre…

Por Priscila Rodrigues de Miranda – @priscilamirandawriter

Autor

Deixe um comentário

Rolar para cima
0

Subtotal