O atalho do pai e o labirinto da mãe

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Quando um casal planeja ter um filho, abre-se uma bifurcação no caminho. A partir daí, o futuro pai costuma pegar um atalho e seguir sua vida normalmente, aguardando receber o título de pai e suas honrarias. Enquanto isso, a mulher entra em um labirinto longo e exaustivo, no qual abre mão temporariamente da soberania sobre sua própria vida para se dedicar à gravidez e ao puerpério. Logo no início, o humor da mulher é fortemente impactado por um tsunami de hormônios inéditos, influenciando tudo o que acontece durante as vinte e quatro horas do dia, sete dias por semana. O impacto não se restringe ao que ela pensa e sente, mas também à forma como se relaciona com os outros. A tensão pré-menstrual torna-se insignificante diante da magnitude das transformações da gravidez e do puerpério. Durante a gestação, até as atividades mais básicas da rotina passam a ser ditadas pelo estado físico da mãe. O ato de comer, por exemplo, pode incorporar diversas restrições — seja por conta de enjoos, seja por orientações médicas relacionadas a condições como diabetes gestacional, anemia e outros problemas comuns. Beber torna-se uma vontade reprimida por vários longos meses. Se a mãe gostar de fumar, também terá que abrir mão desse prazer. Mesmo após o nascimento, comer, beber e fumar não voltam à normalidade imediatamente, especialmente se ela estiver amamentando. O sono da futura mãe também é afetado — seja pelos enjoos, mal-estar ou pela dificuldade de encontrar uma posição confortável para dormir com a barriga grande. Depois do parto, o sono continua comprometido, ora pelo choro do bebê, ora pela necessidade de amamentar em intervalos curtos. O sexo, outro prazer básico da vida, também é impactado. A libido se altera, especialmente no puerpério, podendo levar ao distanciamento dessa fonte de satisfação. Sem contar o período de quarentena após o parto, quando o sexo é oficialmente proibido. O corpo da mulher, como ela sempre o reconheceu, passa por mudanças drásticas. Não apenas pela barriga da gravidez e pelo novo formato após o parto, mas também por marcas como estrias, melasmas e outras alterações que podem permanecer para sempre. Além disso, as atividades físicas precisam ser reavaliadas. Pode ser necessário reduzir a intensidade dos exercícios, interromper práticas durante a gestação ou sair do sedentarismo. Após o parto, é preciso pausar as atividades esportivas por um tempo. Mesmo depois disso, mulheres que costumavam se exercitar precisarão de tempo para recuperar sua performance anterior. Os planos profissionais da mulher são impactados não apenas pela licença-maternidade, mas por toda a rotina de consultas e exames do pré-natal. Se suas atividades exigirem esforço físico, exposição a substâncias perigosas ou longos períodos em pé ou sentada, será necessário revisar a rotina de trabalho e, eventualmente, interrompê-la temporariamente. Aquela promoção, curso ou novo emprego que ela buscava geralmente é adiado para depois da licença — ou além. E, como se não bastasse, em casos de complicações na gravidez, a mãe pode precisar de repouso absoluto, internações e procedimentos médicos desagradáveis. O parto, por sua vez, pode trazer inúmeras complicações, colocando em risco a vida da mulher. A sociedade tende a invisibilizar o que não é glamouroso na vivência feminina da gravidez e do puerpério. Sobram comentários e julgamentos como “gravidez não é doença”. Não apenas homens, mas também muitas mulheres minimizam as dificuldades desse período com comparações sem sentido, do tipo: “eu, quando estava grávida, dava conta de tudo”. Apesar da romantização, gravidez e puerpério podem ser períodos difíceis e nada agradáveis para muitas mulheres. Ainda assim, são o caminho necessário para que o casal realize o sonho de ter um filho. Embora idealizado como mágico, esse é um momento em que a mulher deixa de ser dona de seu corpo e de suas decisões. Suas vontades, planos, realizações e prazeres ficam em segundo plano, pois seu corpo foi disponibilizado para um propósito maior: gerar uma vida, formar uma família. Sendo assim, o mínimo esperado é que o parceiro se disponha a apoiar a mulher nesse período. E se, ao longo dos nove meses de gestação, o pai não estiver satisfeito ao conviver com a mulher grávida? E se ele quiser buscar sua felicidade em outra direção? Nesse cenário, cabe a ele o questionamento: a mulher grávida também teria esse direito? Ou estaria obrigatoriamente comprometida com aquele projeto por mais de nove meses, enfrentando todas as dificuldades e privações? A possibilidade de abandono paterno de uma mulher grávida para seguir outro caminho é apenas mais uma demonstração da desigualdade de direitos entre homens e mulheres. Nesse período, a mãe não tem qualquer escolha sobre seu próprio corpo — que dirá sobre sua vida.

Por: Marcia do valle – @marciadovalleescritora

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