Na fila do pão

20250821 144941 Natalia Maria Souza Veloso 768x1024

“Quem é você na fila do pão?” — foi com essa pergunta que duas pessoas encerraram uma discussão acalorada.

A de pele alva virou as costas e saiu em grande estilo.
A de pele escura silenciou. E, no silêncio, ficou a pensar: quem sou eu na fila do pão?

Talvez seja a mãe que se levanta ainda antes do sol nascer.
Mas é ele, o sol, quem recebe os elogios.
É ela quem deixa a padaria limpa e organizada, para que todos tenham o seu lugar “na fila do pão”.
Foi ela quem gerou e cuida das mãos do padeiro, este mesmo que sonha com reconhecimento na profissão.
É ela quem deve se orgulhar do filho, que se indigna e questiona a falta de representatividade de sua raça nos livros escolares.

E, no entanto, esse mesmo menino tantas vezes ainda escuta:
— Mas você nem é preto.

Assim, a todo momento, o mundo parece lhe dizer: “quem é você na fila do pão?”
Querem nos invisibilizar. Dizem que somos minoria. Minoria?
Mas como, se somos maioria?

O que não sabem é o quanto essa massa ancestral foi sovada às custas de ódio, de revolta, mas também de amor.
Amor que alimenta, que sustenta e que insiste em alegrar a vida de tantos.

O segredo talvez esteja na liga, no fermento que dá corpo e força à massa.
Mais clarinho ou mais moreninho?
Depende.
Depende de quê?
Depende de quem é você, afinal, na fila do pão.

Enquanto o mundo insiste em não enxergar, a mãe preta segue multiplicando-se em muitas.

É trabalhadora da madrugada, dona de casa sem descanso, professora dos filhos e agregados, enfermeira dos vizinhos, conselheira das amigas.
Carrega nas costas jornadas que não terminam, e ainda assim é cobrada a sorrir.

Quando a sociedade a ignora, ela mesma, por vezes, passa a acreditar que sua luta é pequena, que sua força não é suficiente.

A invisibilidade, cruel e silenciosa, começa, infelizmente, a se tornar parte de si mesma.
E é aí que a mãe preta precisa se lembrar: ela não é sombra, é sol.
Não é resto, é raiz.
Ela é o fermento que faz crescer a massa da vida.

E, mesmo sem receber os aplausos, é dela o esforço que mantém de pé a mesa do pão.

Autor

  • Natalia Maria Souza Veloso

    Oiê! Sou Natália Maria Souza Veloso, ou simplesmente Net Veloso.
    Professora há quase 20 anos. Magistério, Letras e Pedagogia. Pós-graduação, mestrado e doutorado em maternidade, rs. Contadora de histórias nas horas vagas! Casada, mãe de 3. Mãe preta de 3. Passei por 4 gestações. Sonhadora! Acredito no fantástico poder da escrita! Ela me libertou! Que minhas linhas atinjam corações; que sejam acalento e coragem; resistência e luz! E que tais linhas tornem- se laços de apoio e que a representatividade se faça viva! Instagram: @netveloso

Deixe um comentário

Rolar para cima
0

Subtotal