Licença para sentir

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Esse mês entrei em licença maternidade. Para quem não sabe, eu moro na Austrália, e a maneira de aplicar para a licença aqui é diferente do Brasil: recebemos tanto pelo trabalho quanto pelo governo. Enfim, estava eu preenchendo minha aplicação online pelo governo e me deparei com algumas perguntas que me marcaram profundamente. Eram voltadas para mães cujos bebês nasceram sem vida.

Apesar de reconhecer que esse processo de luto precisa ser vivido, e de achar justo que essas mães tenham esse tempo, ainda que seja diferente do de muitas, meu coração apertou quando li que havia essa opção.

Vieram à tona pensamentos e perguntas tristes e difíceis. Por exemplo: como essas mães encontram tempo e energia para preencher um formulário desses? Como lidam com a dor de responder a tais perguntas e ainda assim seguir com o dia?

É difícil demais se colocar no lugar delas, especialmente enquanto se gera um ser humano dentro de você. Surge aquele medo, aquele “e se…”. Mas não. A gente não pensa nisso. Não quer imaginar, em hipótese alguma.

Nesses momentos, lembro-me das histórias de pessoas que passaram por isso.

Há cerca de dois anos, na creche da minha filha, havia um amiguinho de quem ela gostava muito. A professora sempre comentava o quanto eles brincavam bem juntos. Um dia, ao buscar minha filha, encontrei a mãe dele, que havia acabado de dar à luz a uma menina linda.

Foi a nossa primeira conversa, e em meio a ela, de alguma forma, ela mencionou que aquela bebê era o terceiro filho deles, e que o segundo havia nascido sem vida. Imediatamente, eu disse que sentia muito. Mas ela, com um sorriso no rosto e uma gratidão enorme por aquele novo bebê, me transmitiu uma energia tão boa. Uma sensação de que, apesar de tudo, eles estavam bem e agora tinham em seus braços uma criança linda e saudável.

Nunca consegui esquecer aquela conversa, muito menos a forma natural como ela me contou. Percebi que, mesmo diante da tristeza, eles escolheram seguir em frente. Nos reencontramos diversas vezes em aniversários e outras ocasiões, e quanto mais eu conhecia aquela família, mais bonita eu a achava. Um casal conectado, feliz, com uma alegria que contagiava qualquer pessoa.

Hoje, cada vez que me sento aqui para escrever esta coluna, penso em como até mesmo nos cenários mais dolorosos sempre há uma saída. A vida é cheia de surpresas em todos os aspectos, e ninguém imagina o pior. Mas quando — e se — ele acontece, existem formas de seguir adiante. Existem maneiras de continuar sorrindo e sendo feliz.

E é com essa mensagem, neste setembro amarelo, que quero dizer: tudo passa. Nossa saúde mental precisa estar sempre em primeiro lugar para que o corpo responda de forma positiva. Ser mãe, não ser mãe, querer ser mãe — são pressões que todas nós carregamos. Mas não deixe que nada disso te pressione. Seja gentil consigo mesma, recompense-se com o que você gosta e não permita que o peso do mundo recaia sobre os seus ombros.

Você é a melhor versão de si mesma neste momento — e está tudo bem. Um dia de cada vez.

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Créditos para a foto: Photo by Kiriakos Verros on Unsplash

Autor

  • Ana Paula Maciel Ribeiro Ana Paula Maciel Ribeiro

    Ana Paula Maciel Ribeiro é mãe de três, da Louise e de duas estrelinhas, e também uma catarinense que reside na Austrália. Jornalista e desde sempre apaixonada pela escrita, é autora “Do lado de cá do mundo”, blog criado quando se mudou para a Austrália. A Maternidade despertou um amor ainda maior pela leitura e escrita. Depois de duas perdas gestacionais, Ana sente que tem como missão falar sobre essa dor tão solitária, sobre as inseguranças e luto dessas perdas e acalentar mães que, assim como ela, já passaram por esse momento tão difícil. Blog: Do lado de cá do mundo. Instagram: @anaapmaciel @doladodecadomundo

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