Regras do jogo:
Passo 1: Com uma pergunta, crie um cenário imaginário e provocativo.
Passo 2: Depois, leia a pergunta em voz alta e dê espaço para a pergunta percorrer seu corpo.
Passo 3: Em seguida, escreva livremente o que sente e vem à mente.
Passo 4: Acabando, guarde o escrito a 7 chaves.
Passo 5: Leia depois de 2 anos e entregue para uma pessoa desconhecida.
Passo 6: Depois dessa entrega, respire e recomece novamente “E se…”.
Então vamos lá, eu começo.
E se… eu não fosse mãe?
Horizonte de projeções utópicas.
Para quê escrever o que criarei em fantasia, já que a realidade é ser as tantas que sou, inclusive mãe.
Percebe?
Resisto.
Há em mim uma vontade de não criar, talvez não hoje. Talvez não agora. Agora que tô deitada, tendo em mim, só em mim, depois de uma semana que ofereci muito cuidado a outros, a decisão de quando vou comer, ou beber água, ou fazer xixi, ou banhar, ou dormir, ou acordar, ou ou ou.
Resistindo, sigo movimentando palavras para ir de encontro a você.
E percebo que chego.
“E se…”
E se eu não tivesse me tornado mãe, o que eu faria?
Descansaria.
Descanso de qualidade.
Consciente.
Desses que a gente se enche de ar, sente até o coração vivo dentro da gente.
Descansaria em mim. Sendo quem posso ser sem esforço.
Descansaria comendo comida que cozinharia com tempo e amor. Descansaria lendo os livros que aguçam meu desejo de aprender a ser mais integrada. Descansaria cuidando sem me descuidar. Descansaria bordando as várias imagens que me vem à cabeça e que quero ver enquanto vivo minha casa. Descansaria em companhia do não pensar demais, do não desejar demais, do não pesquisar demais. Descansaria da intensidade.
Sem também dormir com a inércia.
Descansaria desenhando sem querer chegar a resultado algum. Descansaria brincando sem ter que brincar, só pela alegria de me reconhecer também criança. Descansaria antes mesmo de sentir muito cansaço, só pela fé de que como corpo preciso me cuidar.
Mas, aqui, acontece uma coisa.
Um ruído.
Como se o programa do jogo “e se..”, que estamos a jogar, estivesse com um vírus.
Vou listando os desejos, criando condições, possibilidades e, enquanto isso, vou afirmando que isso que faria, só faz sentido pra mim agora, depois desses 5 anos e alguns meses que sou também mãe. Que sou também um dos adultos responsáveis pela infância de Rita.
E aí, acidentalmente, me vejo seguindo no “sim” do jogo, mesmo que lá atrás iniciei com o “não”.
E se eu descansar enquanto também sou mãe?
Como nesse caso, no caso de hoje ou de outros dias desses 5 anos e alguns meses que descansei, sem o amparo de férias remuneradas. E aqui, ai ai… vejo uma encruzilhada enorme que essa escrita livre apresenta. Vejo o caminho de seguir escrevendo e contando sobre como eu descanso (ou tento) mesmo sendo mãe.
Vejo também o caminho de iniciar um outro assunto que essa coisa de “férias remuneradas” me provoca.
Peço uma pausa aqui.
É que esses dias, escutei de uma amiga, também mãe, que tirar férias não foi suficiente.
Ela, funcionária pública.
Suas férias, remuneradas.
Enquanto eu, autônoma, tenho tirado mesmo só a Fé, enquanto o resto, rias, não vem.
Voltando ao jogo, vejo o caminho que é o final do domingo e um atalho que posso pegar para finalizar logo isso aqui e voltar ao “não”.
Mas na contraginga, antes de dar um fim nessa jogatina fictícia, vou contar aqui rapidinho um diálogo, dos poucos que tive hoje, e que foi com minha mãe e que para mim, fala dessa Rafaela que está parada vendo os três caminhos que “e se…” me apresentou até aqui.
13h37.
Estava com o celular na mão.
Aparece uma ligação de minha mãe, no grupo “notícias do pai”, que reúne as pessoas que estão se dispondo a cuidar do meu tio, irmão mais velho dela que está internado na UTI com um quadro de câncer avançado, depois de uma vida tendo o álcool e o tabaco como suportes.
“Uai, eu liguei foi pra você?” – Minha mãe indagou ao escutar meu alô. No que respondi explicando que ela tinha ligado no grupo. Mas foi a deixa para eu explicar também porque não tinha ido até a casa dela hoje.
“Até cogitei de ir com Rita, mãe. Mas juntou o dia que fiquei no plantão do tio com a virose da Rita, 3 noites acordando. Ela com febre e muita remela. Daí combinei com Edu dele ficar hoje com ela e domingo que vem eu. Assim, vou seguir fazendo o que estou fazendo agora. Deitar.”
“Tô que nem você. Só quero saber de descansar. Como se eu não tivesse mais o que fazer.”
Ela pontua com algo que já conheço, a desculpa.
A desculpa por se dar o descanso.
“Me desculpe, mas vou descansar.”
Quando escuto algo dela assim, algo que tem sido recorrente, já que o movimento de autocuidado dela tem incluído o tratamento para ansiedade e tem resultado em momentos dela descansar mais, eu logo falo algo como “é isso mesmo mãe, descanse!”
É isso mesmo mãe, descanse!
Falo pra ela, falando pra mim.
E falo agora pra você.
Pra nós. Pra tantas de nós.
Descanse, mãe, descanse!
Por Rafaela Kalaffa Sérgio e Silva – @Kalaffa





