Minha geração não cresceu com celulares. Somente quando eu tinha uns vinte anos, o uso dos mesmos se popularizou. Isso quer dizer que eu e meus amigos passamos pelos marcos da pré-adolescência e adolescência sem contar com telefones móveis, muito menos com aplicativos para compartilhamento de nossa localização. Isso é, começamos a ir e voltar sozinhos do colégio, fizemos nossos primeiros passeios somente com amigos, aprendemos a usar transporte público, tudo antes de termos celulares.
Entretanto, atualmente, a mesma geração que viveu essa realidade, considera inadmissível que seus filhos passem por tais marcos sem o monitoramento da localização em tempo real através de celular.
Será que a adolescência dos anos noventa foi realmente permeada de tantos riscos e perigos por não contar com essas ferramentas? Até então, eu imaginava que os principais riscos da época se relacionavam a algumas transgressões relacionadas a drogas e à descoberta da sexualidade sem os devidos cuidados, não à falta de celular.
Pode ser que os riscos relacionados à adolescência continuem não se relacionando à falta deste aparato, mas que a sociedade tenha normalizado a dependência psicológica dos celulares. Isso é, a sensação de insegurança causada única e exclusivamente por não estar com um celular. Como se a qualquer momento pudesse acontecer um problema que seja insolúvel sem o uso de um celular. Com certeza, um problema que não existia nos anos noventa, já que todos os problemas da época eram resolvidos sem celular.
Além da dependência psicológica, pode ser que esteja em jogo uma ansiedade generalizada (e socialmente aceita) dos pais. Isso poderia explicar a necessidade de ter certeza da localização do filho em todo o trajeto do colégio até a residência, em vez de aguardar pacientemente o horário previsto para a chegada do jovem em casa. O imediatismo pode torna impossível esperar tranquilamente o adolescente chegar as cinco e quarenta se não for possível acompanhar todo o trajeto dele a partir da saída do colégio as cinco horas.
Por fim, não deve ser descartada a possibilidade dessa dependência do celular para o início da independência dos filhos estar relacionada à superproteção. Afinal, a dificuldade de abrir mão do controle sobre os filhos não é assunto novo nem surpreendente.
Em que momento o celular passou a ser imprescindível para a mãe ter a sensação de que seu filho está seguro? Essa dependência se fundamenta em evidências de problemas evitados pelo uso do celular, ou somente numa percepção (real ou não) de segurança?
Provavelmente, esse questionamento vai se perder ao longo do tempo, quando os pais forem da geração que já cresceu com o uso de celulares. Talvez, essa indagação seja um sinalizador de que sou mesmo uma pessoa do século passado, com ideias ultrapassadas. Não existe uma resposta certa para essas perguntas. Afinal, trata-se de mais uma das reflexões suscitadas pela enorme velocidade de mudança dos hábitos ocasionada pelos avanços tecnológicos, cujas respostas surgirão com o tempo.