Por: Betzaida Mata
Escrevi esse texto depois de assistir ao filme “Crianças-lobo”, um anime do diretor Mamoru Hosoda. Sou mãe de dois meninos dentro do Transtorno do Espectro Autista e às vezes é muito, mas muito exaustivo conviver com olhares de julgamento e reprovação por ter filhos que não correspondem às expectativas sociais.
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Hana casou-se com um homem-lobo. Não é o nosso lobisomem, mas alguém de natureza híbrida, que mantém o lobo mesmo na forma humana, assim como permanece com sentimentos humanos quando se transforma em lobo.
Em uma de suas excursões a montanha, onde ele poderia se transformar em lobo longe dos olhares humanos, o marido de Hana cai numa vala e a deixa viúva com dois filhos, a menina Yuki e o menino Ame. Duas crianças-lobo. Para protegê-los, Hana decide esconder do mundo o lado lupino que os filhos carregam. Só que, por serem crianças, elas ainda não conseguem se controlar, transformam-se em lobos conforme as oscilações dos seus sentimentos e as condições do ambiente, dois fatores sempre tão instáveis.
Apesar dos esforços da mãe para ocultar a condição híbrida dos filhos, as pessoas começam a desconfiar: “são crianças esquisitas”, “essa mãe não sabe educá-los?”, “tem alguma coisa errada com esses meninos”. (As mães de crianças fora do padrão, sempre que colocam os pés na rua, já estão preparadas para os ataques, ofensas, reprimendas e olhares cheios de reprovação).
Então, Hana decide deixar a cidade. Quer um espaço onde os filhos possam crescer livres e escolher o que irão ser – humanos ou lobos. (Quantas mães de filhos fora do padrão não sonham com isso? Um lugar onde possam criar seus filhos para que sejam simplesmente quem são. Qual mãe nessa situação nunca desejou isolar-se com as crias apenas para ter paz?).
Assim, ela se muda para campo, aluga uma casa praticamente em ruínas, numa terra onde os alimentos não vingam, por causa de ataques de animais selvagens. Ali, ela trabalha, trabalha muito, e estuda sobre a vida e o comportamento dos lobos. Hana sabe que para criar os filhos é preciso aprender. E como toda mãe de criança fora do padrão, sabe, principalmente, que é preciso conhecê-los e aceitá-los em sua essência.
Educar de verdade é promover a autorrealização e não transformar a criança numa coisa que ela não é.
Contudo, para seres humanos não existe isolamento absoluto e em alguma medida as crianças são expostas tanto às ameaças da vida em sociedade quanto às possibilidades de amizade, amor e solidariedade que o convívio humano pode oferecer.
Cada um dos filhos segue um rumo diferente. Hana, até o fim, tenta protegê-los. Em uma das cenas finais, a fim de salvar o menino Ame, ela coloca a própria vida em risco. E se não morre é porque ele, Ame, consegue resgatá-la.
Os papéis se invertem, o que indica que Hana, finalmente, cumpriu sua missão: a de preparar os filhos para que consigam ser e apenas ser em um mundo social de condições extremamente adversas a qualquer existência que não cabe nos seus moldes.