Levei 39 anos colecionando certezas, e tomando decisões com base nelas. Decisões que me levaram a conhecer o mundo, viver com intensidade, sanar todos os meus desejos e a redefinir a palavra “limite”. O meu, aliás, nunca conheci, já que quando muitos acreditavam já ter chegado ao seu, eu estava apenas começando. E, no ímpeto de existir, não conheci a fronteira do tempo, do perigo ou da razão, que acreditava estar sempre comigo.
Por quase quatro décadas, a vida foi como um passeio de Porsche 911 Cabriolet a 200 km/h. E, de tudo mais surpreendente que eu já experimentei na vida, a maternidade nunca me coube! Mas meu médico sempre me disse: “você vai falar ‘não’ até a vida chegar e falar ‘sim’!”. E assim se fez no começo do outono de 2024, em meados de setembro, às margens do rio Sena. Dois tracinhos numa caneta de plástico mudavam a minha vida.
Num mesmo instante, como em uma brincadeira, aquela canetinha parava o meu mundo e redefinia tudo. Nunca esperei por aqueles tracinhos. Em meio a risadas, piadas e um passeio no rio no final de um sábado, brincando com o acaso, o teste aconteceu, e me congelou com o resultado. E agora? A maternidade nunca me coube, como encaixá-la?
Na minha vida sem travas, limites ou bloqueios, fiz e provei de tudo, desafiei todos os meus medos, me treinei para muitas situações e controlei quase todos os roteiros, mas este eu não havia pensado. Pela primeira vez, a vida me roubava as palavras, os pensamentos e o chão embaixo dos meus pés. Eu seria mãe! E a primeira reação, em demonstração de maturidade, foi ligar para a minha, chorando. A notícia se espalhou com um rastro de pólvora pelas famílias e a todos transbordava de felicidade. Enquanto, em mim, congelava os pensamentos.
Não me trazia apenas medo entender que a vida acabava de mudar, me trazia luto, por me despedir de uma versão minha que não combinava com o ser mãe, mas que eu amava muito. Acolhi com ternura a minha versão que se preparava para ir embora. Me permiti chorar o luto, enquanto o entorno não entendia meu silêncio e as lágrimas involuntárias que caíam.
Todas as muitas das nossas noites que se fizeram em quartos de hotéis, dividindo uma taça e um baseado, o cinzeiro e a lua; todas as vezes que uma música e o silêncio da estrada era o que nos acompanhava; todas as malas que fizemos para a próxima viagem, e para a próxima, e para a próxima… Dessa vez, no entanto, essa parte de mim se preparava para viajar sozinha.
Naquela noite, dos dois tracinhos, em silêncio no meu quarto, a costumeira fumaça, uma taça e mais nada, sentei e chorei. No espelho, enquanto as lágrimas corriam, eu me olhava. Como sentirei falta disso tudo. Como foi bom dividir 39 anos da vida ao seu lado.
Olhando para o último cigarro que queimava lentamente, vi minha vida se despedindo. Em cada trago, a cada gole, a mala dela ficava cada vez mais cheia. E juntas colocamos ali tudo que eu não poderia mais carregar, tudo que foi incrível e único de viver.
No silêncio daquela noite, enquanto a taça era esvaziada, eu me acolhi e me despedi. E prometi a mim não me esquecer. Prometi que um dia nos encontraríamos novamente, repetiríamos o brinde, dividiríamos mais um cigarro e sairíamos novamente sozinhas para um passeio noturno às margens do rio Amstel. E naquela noite, enquanto entendia o quanto a vida acabava de mudar, chorei!
Nove meses não são apenas necessários para se fazer um bebê, mas para se refazer enquanto ser! Um ser que não come mais o que quer, não dorme mais quando quer, que baixou o salto e o tom das vozes do lado de dentro. Um ser que se prepara para a doação, para a privação do sono, para sentir dor. A dor do parto, da recuperação, do amamentar — que acolhe, alimenta e sangra ao mesmo tempo.
Agora, enquanto conheço um pacotinho de 50 centímetros que pousa no meu colo, me reconheço num corpo que não é o meu. Com medidas maiores, cicatrizes que eu nunca tive, e uma sensação nova, o medo! Medo de errar, de não ser suficiente, do tempo me escapar… Medo de não estar aqui para viver tudo que eu idealizo para esse bebê!
Espero que ela seja igualzinha a você! Barulhenta, agitada, distraída, dramática! — eles disseram, num tom de ameaça. Eu escuto isso e peço a mesma coisa para a Vida, se eu tiver o privilégio desse merecimento. E mais: que ela seja atrevida, impulsiva, proativa e animada!
E, se eu tiver a sorte de entrar no mundo dela, vou encontrar um lugar onde o tempo corre diferente, onde vou mostrar que ela pode ser mais, e amar nela cada pedacinho que um dia me pediram para que fosse menos e ensinar que ela é suficiente e livre para ser inteira!
Passei 39 anos colecionando certezas, que um ser de 50 centímetros jogou no vento na primeira semana de vida. Meus banhos eram de uma hora, com música, vinho e cigarro. Usava quatro sabonetes diferentes, uma para cada área do corpo. Amava trabalhar em “cafés”, um pub diferente a cada dia, numa cidade diferente, num ritmo diferente. Eu, meu computador, uma xícara de café e o silêncio. Comia com calma, não no horário rotineiro do mundo, mas quando a fome batia. Sempre dormi pouco, mas dormia quando eu queria.
Hoje meus banhos são de um minuto e com a porta aberta para escutar o choro. O dia que consigo usar o sabonete dela acho que ganhei o dia, já que no meio da correria, às vezes, o banho é só com água mesmo, com o bebê no colo e o sabão do seu corpinho caindo em mim durante o seu banho. Se antes conhecia duas modalidades de café, forte ou fraco, hoje conheço o café gelado. Como quando Deus me permite e descobri que dormir é superestimado.
Meu mundo está de cabeça para baixo, meus saltos viraram tênis e minha casa não vê vassoura há 50 dias. Meu cabelo vive no coque, as unhas não estão mais feitas, a sobrancelha perdeu o desenho e eu nunca fui tão feliz! Como pode algo que nunca desejei para mim ser tudo o que me faltava e eu nem sabia.
Numa brincadeira irônica, em que a vida me trouxe a única coisa que eu não pedi, e nada que está no meu guarda-roupa me serve mais, percebi que a maternidade nunca me coube, mas que me veste muito bem!
Nota de rodapé: Diante da vastidão do mundo e do universo, é uma honra e um privilégio dividir uma vida e um mesmo tempo com você, minha filha! Ansiosa pelos próximos 39 anos ao seu lado!
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Autora: Cinara Lopes





