Depois de três semanas de uma gripe, que passou como um trator por cima de mim e, há dois dias de completar 39 anos, termino essa semana – em que tenho me dedicado aos cuidados de minha filha, sozinha, por meu companheiro estar viajando a trabalho – com a notícia de que ela engoliu uma pedra na escola. Sim, ela colocou uma pedra na boca e, obviamente, acabou engolindo. Se espantaram por eu estar tão calma?
Ao receber a notícia, eu só conseguia pensar no impacto que a maternidade teve em mim; alguém que antes, por muito menos, provavelmente teria feito uma bela tempestade em copo d’água.
Mas é que a maternidade nos apresenta a vida por uma outra ótica. Algo sempre falta, algo sempre parece precisar ser preenchido. Uma perspectiva repleta de vazios.
Um vazio de alguém que nunca se viu, mas que talvez, até antes mesmo de saber de sua existência, já preenchia o ventre da gestação interrompida. Um vazio que começa com a perda e se estende pela aceitação. Ou o vazio de tentar se alimentar melhor, se exercitar e cuidar da saúde pelos próximos nove meses, enquanto gera-se uma vida que depende integral e literalmente de você. Enquanto você se preenche, o vazio, que floresce como medo, se expande como entrega.
Há também o vazio nas noites perdidas em vão, tentando vigiar o sono, espantar o medo e acalmar o coração da criança que, por noites, tem tido o mesmo pesadelo repetidas vezes. Vazio que se inicia com a insuficiência e se molda em presença. Um vazio de sonhos adiados, de comemorações perdidas, de prazeres ignorados, de identidade suspensa, que se define em escolhas.
Há vazio nas inúmeras horas de leituras e estudos, aprendendo como adentrar no mundo adolescente, cheio de certezas, distanciamento e silêncio. Este vazio, sereno e hesitante, se transforma em espera.
E posteriormente, o vazio da casa, antes cheia de vida, que abrigará apenas memórias e bons momentos, não se lembrando mais das noites mal dormidas, do quanto se queria o silêncio para finalizar um parágrafo da leitura adiada por semanas. O vazio de se manter presente mesmo na fragilidade da velhice ou da doença, mesmo quando se insiste em cuidar, mas no fundo sabendo que, talvez, pela primeira vez, será a vez de ser cuidada, incessantemente.
É na interrupção, na pausa, na aceitação e na entrega que a maternidade possibilita que nos encontremos. Não apenas como mães, mas como indivíduos plenos. Eu não tinha ideia de quantos espaços poderiam ser ocupados por vazios. E é nesse emaranhado de vazios que nos preenchemos, redescobrimos e nos fazemos ainda mais completas, inteiras.
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Anamaria de Oliveira Cardoso / @adeoliveira31





