Ouçam as mulheres | Sobre a menina e o homem nu no museu – Por: Ingrid Frank

Ouçam as mulheres | Sobre a menina e o homem nu no museu – Por: Ingrid Frank

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NÃO DESMEREÇAM O CASO DO HOMEM NU COM A CRIANÇA NO MUSEU. ESSE IMBRÓGLIO TODO DEIXA UM RECADO MUITO IMPORTANTE PRA ESQUERDA FESTIVA: QUEREM COMBATER O DISCURSO DE ÓDIO DOS CONSERVADORES? OUÇAM AS MULHERES.

A gente tá diante de um momento histórico. A gente precisa reconhecer que só as mulheres dispõem de sensibilidade pra entender e pra falar propriamente sobre o acontecimento que, estranhamente, se tornou o grande tema de debates no momento: a menina que tocou o corpo de um homem nu no museu. Só as mulheres são capazes de produzir ideias e argumentos responsáveis para combater de frente as armadilhas do moralismo puro, religioso e conservador de direita sobre esse acontecimento.
A voz das mulheres é a única possível neste momento, porque é de vivências próprias a elas que o debate trata. É por isso que tantos homens de esquerda, por mais bem intencionados que estivessem, erraram tanto até agora.
Em seus textos sobre o tema, os homens usaram as armas de que dispunham pra responder ao discurso de ódio da direita conservadora sobre o acontecimento. Então, discorreram sobre o status da arte e a ignorância de quem critica arte. E também falaram de política: de como os partidos conservadores estão usando o emocional das pessoas como massa de manobra para as eleições de 2018. Desdenharam a questão da pedofilia e o que a experiência de tocar um homem nu poderia causar na menina. Taxaram a mãe de única e exclusiva responsável pela criança e de única culpada pelo que aconteceu, além de desdenharem o papel de toda a sociedade no cuidado das crianças. Para eles, nada disso era importante. Importava falar de arte. Importava falar de política. Foi um esforço válido.
Mas foi aí que os homens de esquerda erraram. Porque o debate, como colocado pela direita e como tratado pelo público em geral, é justamente sobre as questões que eles consideraram “menores”. É sobre o cuidado das crianças e é sobre a experiência com a nudez masculina. Então, não adianta continuar discutindo e defendendo “arte” e falando de esquerda e direita.
O debate precisa da voz e da perspectiva das mulheres porque só elas são capazes de entender o sentimento gerado pela presença do corpo de um homem nu. São as mulheres que, sem exceção, sofreram algum tipo de abuso de homem em algum momento da vida. São as mulheres que convivem diariamente com o medo de saírem de casa e serem violentadas na rua. São as mulheres que sabem o horror que é sentir o membro de um homem contra o seu corpo em um ônibus lotado. São as mulheres que sabem o que é olhar para o lado e dar de cara com um homem se masturbando com o olhar lascivo voltado pra elas. São as mulheres que sabem a dor física que um homem é capaz de causar com a força violenta do seu corpo quando estão alterados. Só as mulheres sabem como é violenta a imagem do corpo de um homem nu.
Outro ponto que convida a voz das mulheres para o debate é que elas constituem, majoritariamente, os seres da espécie humana que são socializados para sentir empatia por seres vulneráveis. Os meninos são ensinados a dirigir carros, a correr, a andar de skate, a seres livres e a pensar neles mesmos. As meninas aprendem desde pequenas a ficar em casa para cuidar das bonecas. E elas aprendem a pensar e a imaginar os sentimentos que suas bonecas podem estar sentindo: será que estão com fome? será que querem fazer xixi? será que querem trocar de roupa? será que querem passear? será que estão com medo? Na sua socialização, as mulheres desenvolvem sentimentos por quem é mais vulnerável que elas. E são capazes de se colocar no lugar desse ser vulnerável e imaginar a repercussão de determinadas experiências para ele. Só as mulheres são capazes de sentir empatia pela menina que tocou o corpo do homem nu, e pelas crianças que podem vir a ter uma péssima experiência ao serem colocadas diante do corpo de um homem nu que, diferentemente do artista do museu, possa estar mal intencionado.
E isso faz toda a diferença nesse debate. Porque pra compreender a dimensão e a seriedade do que está em jogo, é necessário entender, de verdade, na carne, o que significa um homem nu; a potencial violência do corpo de um homem nu. E é necessário ser capaz de ter sentimentos por alguém muito mais indefeso e vulnerável; é necessário ser capaz de pensar na dor e nas consequências do toque de um homem nu para a vida de uma criança. E só assim, só assim, é possível entender o que significa uma criança tocando o corpo de um homem nu. É por isso que a sensibilidade das mulheres, desenvolvida ao longo de toda a sua socialização, é a arma mais poderosa que a esquerda pode ter para combater os discursos de ódio da direita conservadora. Querem um conselho? Ouçam as mulheres.

 

 

 

 

 

 

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