Desde que descobri que você crescia em mim, muitas dúvidas e medos – que já existiam – vieram à tona e se instalaram. Mas, dentro do dilema, o desejo de ser e fazer o melhor sempre preponderou.
Eu, desde muito nova, me forjei a ser forte, a ter que dar conta de tudo, a nunca sucumbir, a não dar ouvidos ao sentir – embora sempre fui muito, muito sensitiva –, até que travei as costas. Entre morfina, Benzetacil e fisioterapia, fui encaminhada a uma ressonância magnética. Eu teria que ter tomado o contraste para fazer o exame, mas, após assinar o termo de consentimento e entrar na sala, tive medo e pedi para não tomar. Coisa de gente que ‘sente as coisas’ – lembra da minha aguçada sensibilidade? Assim, o responsável disse que, se sua falta comprometesse o resultado, eu teria que repetir o exame, agora, com o composto. Exame iniciado, até que… Foi encontrado ‘um caroço’ na região da lombar. Laudo inconclusivo. Poderia ser uma hérnia, um caroço maligno ou até uma gestação. Precisava fazer um teste. Na hora o coração doeu. Acelerou…
Assim, em abalada carreira, a noite já descia, foi feito um teste de farmácia. Inconclusivo. Achei que, por conta da tremedeira, pudesse ter molhado mais o teste que o recomendado. No outro dia ‘abri’ o laboratório, fiz o teste. Confirmado: estava grávida. Mas no ultrassom, a surpresa: já estava entrando no quarto mês e era uma menina.
Aquele corpo que não podia sucumbir ou sentir as dores te silenciou, Luísa, por mais de três meses; você estava ali, fazendo morada. A dor na coluna ‘acabaria’ em poucos meses. Você estava crescendo forte. Que graça!
O que esperar? Como será a vida a partir de seu nascimento? Dá para ficar mais um pouco aí dentro?
Enquanto formos uma, é mais fácil. Para onde eu for, você vai. O que eu comer te alimenta. Agora somos uma. Depois, agora, somos duas de uma. Metade minha, metade do seu pai.
E assim você veio. Trabalhamos e seguimos a vida juntinhas até a segunda-feira. Já estávamos nas quarenta semanas. Corpo cansado, coração ansioso. Terça, fizemos o ultrassom e você estava bem grande e gordinha para a mamãe. Falamos com a médica obstetra; precisaríamos te tirar. Pegamos a mochila, tomamos banhos, comi e fomos para a maternidade.
Parêntese: sempre achei que teríamos a correria da bolsa estourando, aquela correria, desespero, corre-corre. E você não, parece até que já sabia, estava calma, serena. Sabia que daria tudo certo. E assim fomos para a internação, 17:57h, o horário. 18:28h iniciou o processo de indução. Íamos tentar um parto normal, uma vez que estávamos bem. Um pouco mais de 21h foi colocado o segundo comprimido e aqui a médica ficou conosco. À uma da manhã as dores se intensificaram e avisei à doula que poderia vir, porque você estava a caminho. A dilatação aumentava. Seu pai, já em pânico e desespero, mentalizou e determinou um horário: cinco horas. Se você não nascesse até esse horário, ele pediria para mudar o parto e faríamos uma cesariana. Para ele, ver minha dor estava insuportável.
Mas, às cinco e dezoito da manhã de quarta-feira, você, Luísa, nasceu. Com os olhos bem abertos, atenta, ávida pela vida, com muito amor à sua volta. Você nos mostra o quanto a vida é bela, mesmo com as dificuldades, limitações e medos. Você une a vida, a família, amigos. Todos querem te ver. Você é luz, ilumina aonde chega. Sorridente, cativante. Mostra que amor pode ser demonstrado de várias formas, não precisa de palavras. Seus olhos, seu olhar falam, você deixa evidente o quanto ama viver e é curiosa. É lindo de ver. É lindo te amar. É constrangedor o amor e cuidado Seu comigo. Luísa, você é minha menina!
Agora você está aqui, comigo, nos braços. Agora somos duas. Duas em duas. Você e eu, eu e você.
A vida com você não parou. Ela agora mudou. Mudou para melhor.
E isso não é clichê. É um fato.
Hoje sou mãe, ah, como eu queria isso, mas quanto medo tinha. Hoje tenho menos medos. Na verdade, outros medos. Como o medo irracional de morrer.
Hoje, com cinco meses, você se despediu das fraldas P. Você já se arrasta pelo chão todo. Não consigo mais escrever sem você sair da sala, até chegar a mim, segurando os pés da cadeira e eu, após um sorriso recíproco, acabar escrevendo com você no colo.
Vem me dizer que isso não é melhor?! É muito melhor.
Mas também não é fácil. Fechar a porta cerebral das demandas – remédios, vitaminas, fralda, alimentos, consultas, banho, passeio para ver o sol – e, escrita da tese, linhas de pesquisa, estudos, bancas docentes, redesenhar matriz curricular de curso, sala de aula, audiência, calendário para 2026, academia, descanso, autocuidado e tantas outras tarefas. Tem dias mais fluidos e outros bem caóticos. Mas em todos, é possível notar que a vida está acontecendo, o tempo está passando, assim como as suas fases. E aqui, você, Luísa, é um nome para vários outros bebês e a perspectiva de uma, para várias outras mães, com suas realidades e rotinas, de que na vida a beleza está no imperfeito, mas no feito. Está no querer e fazer mais genuíno e profundo, que faz mesmo quando as circunstâncias insistem em tentar contrariar. Está em aceitar que as coisas nem sempre acontecerão no tempo desejado, mas serão feitas e acontecerão. É permitir que o outro assuma papéis, é reconhecer limites, é aprender a dizer não, mas também aceitar ajuda. É perceber que cabem sonhos e realizações pessoais após a maternidade.
Entendi que as áreas da vida se confluem, sábio Nêgo Bispo. Há ciência na vida ordinária e vida ordinária na ciência. Tudo está correlacionado. Há várias formas de receber e perceber a ciência. E é nesta confluência que prefiro experienciar. Assim, o ordinário fica extraordinário. Se mostra mais rico e reconheço que, de alguma forma, o que faço nessas várias facetas de mim mesma faz sentido, traz legado, transcende e não tem culpa, tem si.
A natureza é ciência, a ciência é vida, a vida é natureza. Se mostram como uma matriz invisível, uma teia que sustenta todas as formas de vida e tudo o que existe.
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Por Luá Cristine Siqueira Reis: Gente comum, teimosa, professora universitária, advogada, doutoranda em Direitos Humanos pela UFG, escritora e poetisa de teimosia. @luasiqueirareis





