Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNISTA | O confronto

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Quem convive com crianças já ouviu negativas – a tomar banho, por exemplo – sob o argumento da repetição. “Por que tenho que fazer isso hoje, se fiz ontem e vou fazer amanhã?”.

A nós a resposta parece de uma obviedade tão real quanto insana. Corresponde ao silêncio com que muitas vezes recebemos os questionamentos – que caem sobre nossa racionalidade e papel (de educar, de encaminhar uma criança ao banheiro) e nos (a)bate também como grande interrogação. É que não sabemos.

É que também nós gostaríamos de saber. Bom seria se tudo fosse novo. Inédito. Estreante. Se não houvesse repetição. Tédio. Vazio. Chateação. Obrigação. Angústia.

Durante a pandemia estou certa de que nos igualamos às dúvidas infantis. Nunca (e considerando quem está em condições de viver esses tempos sem muitas das facetas que eles, os tempos, puseram à mostra, como não ter como se distanciar, morar, viver, acessar a Internet, se livrar de balas policiais) nos enxergamos com tanta necessidade. De comer. De beber. De lavar louça. De varrer o chão. De planejar o cardápio. De desprover de prazer tantas atividades e convivências. Outrora revestidas de magia.

As miudezas da vida – tantas delas até aqui terceirizadas – nos esfregaram na cara sem máscara o quanto a vida é miúda mesmo. As atividades que antes não percebíamos o correr, ou que podíamos supor de algum glamour (como ir a um lugar especial ou encontrar alguém querido), tornaram-se insuportáveis, até. Tornaram-se obrigatórias. Tornaram-se o ícone de quão humanos somos. Ou, o mais corrente, tornaram-se impossíveis. 

Lembro que meu irmão dizia que sonhava em se alimentar por meio de pequenas pílulas, prescindindo, assim, de assumir todo o antes e o depois – que nos permite estar diante de um prato de comida.  Mas essa tecnologia “Nasa”, como ele pregava, não nos chegou.

O que nos sobra é viver cada minuto. Eu falava em 24h. Mas é tempo demasiado longo para se apostar. A vida se mostrou a rainha do comezinho. Se queremos estar nela, do lado de cá, temos que encarar essas micro/grandes responsabilidades. Necessárias ao sobreviver. Dormir e acordar. Com a beleza que têm. E ver que a beleza está nisso mesmo. 

E aí que questionamos as coisas. O que antes era imprescindível. Nos deixa boquiabertos ante sua inutilidade. Superficialidade. E aí que temos que eleger – como se tivéssemos escolha – o que é importante. O que nos lega humanidade e nos torna suportáveis a nós.

E para quem tem a opção de #ficaremcasa, resta esconder-se de um inimigo insidioso. Grande. Mortal. Sem antidoto. Contra quem não há criptonita. Espinafre. Super-poderes. Capazes de nos tornar heróis diante desse vilão Covid 19. E isso nos enche de desesperança – não salvaremos o mundo. Talvez nem a nós mesmos e a quem amamos. Estamos desarmados. Desamados. Na pior das hipóteses.

E, apequenados, infantes, soltamos os nossos por quês. E não há adulto por perto, imbuído de fantasiar as respostas. Torná-las mais bonitas, enfeitadas em linguagem que se adapte ao nosso universo. É duro o eco que nos sopra de volta o que gritamos. Nos confronta.

Nós somos o adulto. Desnudo. 


Publicado originalmente aqui.

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