Maio de 2019, em apenas uma semana, dois estados norte-americanos criminalizaram o aborto em todas as situações. Já são oito estados, desde o começo do ano, que proibiram ou restringiram o acesso ao procedimento. Em entrevista divulgada no portal de notícias G1, uma mulher presente na manifestação contra a medida no Alabama, disse: “Vamos voltar às agulhas de tricô e aos úteros perfurados. Vamos voltar a quando as mulheres morriam sangrando”.
Mesmo com ações de repúdio, a criminalização do aborto até mesmo em casos de estupro foi aprovada em um estado governado por uma mulher. O Alabama tem a pena mais dura de todo os Estados Unidos: até 100 anos de prisão para o médico que interromper uma gestação desde o seu primeiro dia.
Deveria espantar o fato de uma mulher sancionar com tamanha convicção uma lei como essa. Mas não espanta. O Estado é regido por diretrizes advindas do patriarcado e uma doutrina machista em fusão com a ascensão do fanatismo ideológico conservador afetam homens e também mulheres. Mais do que nunca estamos vivendo a era do controle sobre o corpo do outro, sobre as ações do outro em nome do que se considera correto. Fazer política é trabalhar para o todo e não em prol de suas convicções pessoais.
No Brasil, estima-se que anualmente meio milhão de mulheres realizam aborto clandestinamente e destas grande maioria é negra. Não é novidade que a tríade preta, pobre e periférica representa as mulheres que mais sofrem com procedimentos inseguros que podem lhe custar a saúde e a vida. Se o Estado acredita que ampliar o acesso ao porte de armas não vai aumentar a quantidade de homicídios por arma de fogo porque legalizar o aborto aumentaria o índice de gestações interrompidas?
A legalização do aborto diz respeito à saúde da mulher e ao direito de decidir sobre seu próprio corpo. Fatores como o sonho colorido da maternidade e sua romantização também interferem no modo como a sociedade vê a discussão – além de religiosidade e o próprio machismo, é claro.
Como política falha, tomemos como exemplo a guerra às drogas. Uma guerra custosa e perdida. Custosa pois a falta de investimento em políticas sociais reflete em um gasto gigantesco com população carcerária – visto que um usuário é facilmente preso por tráfico. Perdida pois continua-se consumindo muitas drogas no país, traficantes continuam lucrando enquanto jovens sem perspectiva perdem suas vidas numa prisão. E mais, quem verdadeiramente lucra com tudo isso é aquele engomado que defende a guerra que a sociedade perdeu, mas que a conta bancária dele ganhou.
O mesmo acontece com o aborto. A proibição não elimina clínicas clandestinas nem os medicamentos abortivos, mulheres pobres continuam morrendo em “açougues” enquanto mulheres ricas continuam abortando com dinheiro e segurança, mulheres sem estrutura psicológica e econômica continuam dando à luz a crianças que enfrentarão ainda mais dificuldades durante a sua criação.
Argumentos contrários apoiados em métodos contraceptivos são preguiçosos e até cínicos. Todos sabemos que não existe método 100% seguro, que em caso de falha na contracepção carregar um filho no ventre não deveria ser punição, e também sabemos que lançar somente à mulher a responsabilidade por uma gestação indesejada é inescrupuloso.
Na Argentina, país com uma política de aborto bastante similar à brasileira, existe uma rede de apoio que ajuda mulheres a realizarem um procedimento seguro. A rede é formada por cientistas sociais, psicólogas, entre outras, que oferecem atendimento, avaliação e auxílio financeiro. Isso que chamamos de mulheres unidas por um ventre livre! Mas infelizmente não é o suficiente.
Em nosso país, por exemplo, abordar sexualidade nas escolas é visto com horror e se não há educação nem assistência, claramente vidas estão sendo negligenciadas. Aborto é questão de saúde pública. É urgente que o Estado encare como tal e proponha medidas integrantes do sistema de saúde e não criminal.
Autora: Aline de Campos. Instagram: @alinecampxs.