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Acorda na correria porque na noite anterior adormeceu junto às crias e não deixou as mochilas da creche prontas. Veste o uniforme enquanto ainda elas dormem de forma que vai acordando, aos poucos, senão é aquele chororô logo de manhã (e choro de filho logo de manhã é quase um decreto de como será o seu humor ao longo do dia).
“Mamãe, ‘té’ leite”!
Se troca correndo (banho de manhã nunca mais), calça os sapatos. Prepara suas coisas e segue para deixar as crias na creche e ir trabalhar. Mais um dia bate o ponto atrasada.
Aquelas horas te consomem e bate o ponto para sair, mas não sabe ao certo se é bom ou ruim. Busca na creche, prepara a janta enquanto estende a roupa que deixou na máquina lavando pela manhã. Dá banho e já toma banho junto. Dá janta e ajeita as crianças para dormir enquanto percebe que mais um dia não conseguiu brincar e nem limpar a casa e, assim, se foi mais um dia que por acaso foi por dias anunciado:
“DIA 30 VAI SER MAIOR!”
Talvez só o cansaço do dia-a-dia.
Alienação.
Raras são as mulheres que são mães que têm parceiros e parceiras para compartilharem os cuidados dos filhos para que possam separar um tempo para a luta política, a já bem conhecida: militância.
Mais raras ainda são as mulheres que são mães-solo que têm a audácia de encaixar a cria na anca e ir para rua e ocupar um espaço que é nosso.
Como professora de geografia, quero compartilhar um conceito de uma palavra que para nós tem todo um significado: lugar.
Lugar na geografia são espaços que a partir dele gera identidade, há uma troca, lugar é um espaço de inserção a partir de uma identificação.
As ruas para as mães, de fato, não são espaços que possam ser “lugar”. E as questões vão para além das calçadas inacessíveis para os carrinhos de bebê (que dirá para pessoas com deficiência).
As mulheres feministas Childfree *, que acham o máximo a foto da Manuela D’Ávila amamentando na Assembleia Legislativa adoram quando as mães participam das lutas pela legalização do aborto, afinal, somos uma amostra contra o discurso de que toda feminista é a “aborteira” ou de que todo mulher a favor da legalização é contra filhos. O que são inverdades mesmo, por isso seguimos juntas na trincheira.
Entretanto, faz parte da solidão materna a ausência desse feminismo nas pautas das lutas materna.
Ser feminista anticapitalista é voltar a ler o primeiro parágrafo e ajudar as mães saírem de um sistema que também é maquinado e imposto de forma que não sobre tempo para viver e pensar nas demandas políticas. A ajuda pode vim de forma prática, emocional e de tantas outras formas criativas que com um real interesse é possível desafogar um milímetro de água dessa profunda solidão e alienação.
Escrevo este texto às 4hs da manhã depois de ter insônia após uma das minhas filhas pedir um leite. Encerro às 4:30 porque a outra se incomodou com a luz da tela e já que não brinquei com elas. Darei um dengo para tirar um pouco a máquina e a culpa de dentro de mim.
*Childfree: inicialmente movimento de mulheres que não querem ter filhos, posteriormente um quase ódio às crianças. Ambos ainda se confundem, sendo assunto para um outro texto.
Tenho interesse em contribuir
Perfeito. Eu sempre me sinto culpada quando deixo de participar de manifestações, reuniões, eventos. Mas quando a gente se olha de fora fica mais fácil se entender e se acolher. Obrigada por isso.