Mulheres-mães protagonistas da própria história

A morte nos rouba tudo. Tudo?

A morte nos rouba tudo. Tudo?

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Já se passaram todos os aniversários e todas as celebrações mais importantes nesse primeiro ano sem você. Foi um ano de muitos nãos. Não telefonar, não abraçar, não ver, não ouvir. Pequenas, constantes e infinitas ausências diárias. Isso é pungente, grande, dolorido e quase indescritível. Fomos roubados de todas essas possibilidades e são elas, essas pequenas negativas da vida, que tornam a morte ainda mais dolorida. Nesses momentos somos coagidos a olhá-la de frente e obrigados a sentir a intensidade de sua imposição.

Fazendo mais sentido do que nunca, lembro de uma frase típica do Edu: “quem se preocupa com o miúdo, esquece do graúdo”. O graúdo é aquilo que não se compra, não se mede e não se precifica. O graúdo é um detalhe de afeto, é aquele instante de carinho, um riso inesperado ao qual às vezes a gente nem dá tanta importância. Coisas singelas, mas verdadeiramente representativas do amar. É o miúdo tornando-se graúdo.

É quando aquela cadeira está vazia, quando aquele armário não mais se abre, quando encontramos aquela escova de dentes já sem utilidade, quando aquele calçado ficou em um canto sem que ninguém tivesse coragem de guardar, quando aquele chato e ansioso balançar de pés embaixo da mesa já não incomoda, quando aquela ligação numa certa hora do dia já não acontece mais, quando sentimos o cheiro, a presença e somos até capazes de ver e ouvir algo que não habita mais a matéria. Uma lista infinita de miudezas muito graúdas capazes de nos afogar em sentimentos de saudades e perguntas.

Olhando para o trivial, com a morte, começamos a entender que a graça da vida está no detalhe, como um pequeno bordado que só fica perfeito se o verso também estiver.  Isso ensina que  também precisamos caprichar nos detalhes da nossa existência, pois quando partirmos, o lado de dentro será o de maior importância. Os momentos vividos com alegria serão os de maior saudade e eles, quase sempre, são os mais simples e bobos. Exigem apenas nossa presença.

Para mim, hoje, a saudade dói mais do que de costume. No entanto, um sentimento de calma me ampara quando olho para o outro lado do bordado. Ali vejo uma costura que, se não foi perfeita, pode ser muito admirada de tão bem-feita. Não poderia ser de outra forma, pois tecida com a intensidade de quem amava a vida que viveu. Impossível não sentir saudade. As lágrimas ainda correm com uma frequência quase diária, tentando me curar e me transformando no aprendizado desse entendimento. E quanto aprendizado a perda de alguém amado deixa. Se há algo capaz de ensinar mais a viver, desconheço.

Compreendo, porém, nesse dia de aguda dor de ausência, que as singelezas da vida, graúdas que são, tornam-se capazes de nos construir e aprimorar como seres humanos — e espirituais — se atentos a elas estivermos. É por meio delas que tecemos nosso elo de conexão entre esses dois mundos. Seja para manter vivos em nós os que amamos quando partem, seja para eternizar nossa existência quanto chegar a nossa hora de partir.

Sim, amigos. A morte nos rouba o que a vida nos presenteia com a matéria, mas, se atentos estivermos aos lampejos de felicidade em nossa existência, nem tudo se vai com a morte. O graúdo fica. E ele é o cuidado na construção de memórias afetivas e de vínculos de amor, fortalecidos, primordialmente, no despojamento e simplicidade cotidianos. É a costura de indeléveis fios de amor, capazes de nos ligar eternamente aos que amamos, pois, humanos estamos e espirituais sempre seremos.


Autora: Elisa Ortolan Costa – Instagram: @elisaortolancosta.

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