“Tão inteligente, acabou com a vida!”
Essa foi uma das primeiras frases que me lembro de ter ouvido, quando se tornou público o fato de eu ter engravidado aos 17.
Naquela época, tudo o que eu tinha era uma violenta força dentro de mim pra mostrar ao mundo o equívoco nessa sentença.
A sentença vem da ideia de que as mulheres são socialmente descartáveis e só podem construir coisas até tornarem-se mães. Após esse momento, acontece a morte pra sociedade e a gente renasce como uma espécie de ser mítico, guardião, que está sentenciado a unicamente cuidar do outro ser.
Imaginem que, de maneira geral, quando a sociedade elabora dessa maneira ela considera descartável a energia criativa e a participação social de metade da população do mundo (as pessoas aptas a gerar vida).
A sociedade e seus mecanismos, a partir dessa sentença, tornam a nossa vida uma profecia que se auto-cumpre. O estigma do “Você desperdiçou sua vida” recai sobre a gente, através dos olhares, dos julgamentos e do “Quem pariu Mateus que embale”. Tudo isso se traduz em desprezo, pena e em formas reais de criar mais dificuldades do que as realmente necessárias.
Dificuldades que levam as mães adolescentes a estagnarem, cumprindo assim a profecia. Aliás, sobre Mateus e sobre embalar, esse é um dos caminhos mais curtos para a exclusão da vida em sociedade de uma mãe adolescente.
Embalar Mateus, quando você engravida na adolescência, raramente é visto como um ato de carinho, de cuidado espontâneo, uma etapa a se curtir. A mãe adolescente geralmente é penalizada com essa frase e com essa atitude. Embalar, quer dizer que você não pode mais ter amigos, embalar quer dizer que não pode mais frequentar a escola, embalar quer dizer que se você fez a “besteira”, agora aguenta!
Eu, por minha vez, com toda energia de uma menina de 17 que pensava e sonhava muito alto, escolhi a abnegação. Me retirei da vida social, porque com essa etiqueta de “MÃE ADOLESCENTE” colada na minha testa seria impossível alcançar os sonhos, cuidar de uma criança e ainda ter uma vida.
E olha que, seja como for, eu contei com ajuda! Minha rotina durante muito tempo foi cuidar da minha criança, trabalhar e estudar entre 00:00 e 6:00 para o vestibular. Pouco sono, nada de gente…
Dependendo de quem você é, talvez você tenha chegado aqui ainda pensando: Sinto muito querida, “Mas quem pariu Mateus que balance”. Não me surpreende. Já ouvi mulheres que foram mães na “idade adequada” e que contam com suas próprias mães para ajudar na criação dizendo “É muito fácil fazer e jogar nas costas da mãe”.
Aqui é que começa a virada pra mim. Hoje, já chegando aos 30, no Doutorado e casada eu ainda conto com uma rede. Eu aprendi o significado daquele ditado: “É preciso uma aldeia pra educar uma criança”. Ele quer dizer, mais ou menos, que nenhuma mãe embala Mateus sozinho, tenha ela sido mãe aos 17, aos 28 ou aos 45.
Uma criança, em qualquer contexto saudável de criação e educação precisa de uma rede. Só adulta eu descobri isso. Agora olhem só vocês: se até mesmo mulheres adultas precisam de ajuda, porque nós, mães adolescentes recebemos a maldita sentença?
A sociedade quer nos punir, quer nos penalizar por termos aberto nossas pernas, quer dificultar nosso caminhar pra possamos pagar pelo nosso pecado.
Se eu pudesse falar com a Thayara de 17 eu diria que “É preciso uma aldeia inteira pra criar uma criança”.
Se a Thayara de 17 pudesse mudar a sociedade ela diria: “Não nos colem uma etiqueta”
A Thayara de 28 escreveu tudo isso só pra dizer: Não abram mão dos sonhos, dos desejos e da vida. Resistam. Em algum momento a mágica acontece. Você deixa de resistir e começa a viver.
Autora: Meu nome é Thayara, tenho 28 anos e moro na zona norte do Rio de Janeiro. Sou formada em História, tenho mestrado em Educação Antirracista, e sigo, agora, na mesma área no doutorado, todos pela UFRJ. Sou uma mãe, doutoranda, militante… Tentando evitar o caos, girando um prato de cada vez…às vezes dois!