Imagina um futuro em que, para ter filhos, candidatos a pais e mães passassem por uma avaliação preliminar para ter autorização para tanto. Surreal, não?! Mas… totalmente fora da realidade?
Em “The Assessment”, filme dirigido por Fleur Fortune, cujo título em português é “A Avaliação”, Mia e Aaryan desejam se tornar pais e, para isso, submetem-se a uma avaliação rigorosa do Estado que, nesse drama de ficção científica, tem a prerrogativa de definir os casais que podem ou não fazê-lo. A avaliação é executada por uma mulher sem que o casal saiba antecipadamente o que será avaliado ou como.
Virgínia aparece na data marcada, apresenta-se, faz uma série de perguntas iniciais e passa sete dias com o casal, criando situações onde testa a capacidade deles para serem pais. Sem ter a mínima ideia do que se espera de cada um ou de como será o teste em que serão lançados no momento seguinte, a cada dia, o casal precisa se adaptar a uma mudança de rotina repentina. De uma forma em que seu espaço é invadido e sua energia passa a ser dirigida na maior parte do tempo a um outro ser, até então totalmente desconhecido por eles, cujas necessidades nem sempre ficam claras, mas que demanda satisfação constante e imediata.
Semelhanças com a chegada de um filho não são coincidência. É no mínimo criativa a forma como o roteiro faz com que, no transcorrer do filme, qualquer pai ou mãe veja suas frustrações e dúvidas retratadas de modo surpreendente, apesar de estar trazendo o que esses pais já sabem por experiência própria.
O medo e inseguranças que acompanhamos no decorrer da história são retratos do que muitas de nós, mães, já sentimos tantas vezes. Enquanto precisa jogo de cintura para lidar com a influência (nem sempre bem-vinda) da mãe do marido, Mia também precisa encontrar sua identidade de mãe apartada das lembranças de sua própria mãe.
Ao mesmo tempo em que essas mesmas lembranças operam, também, como motor desse desejo de maternidade. Como já comentei sobre o filme Valente, a linha entre nossa disjunção com nossas mães e nossa inspiração nelas é tênue e difusa.
Mas, para quem vai assistir ao filme, sugiro que não deixe de observar também, a relação da avaliadora Virgínia com o casal, principalmente com a futura mãe. Além disso, a própria relação de maternidade dela reforça o que me parece que é o cerne do filme: afinal, quem está absolutamente preparado para maternar?
O filme não está, de modo algum, muito longe da realidade, ainda que seja uma ficção científica. O Estado não tem poder sobre a decisão dos casais, mas a sociedade questiona diariamente sobre a aptidão da mulher em maternar.
Permissiva demais, rígida demais, superprotetora ou negligente. Um filho é um ser que chega de repente, sem um manual de instruções, com demandas que exaurem qualquer mãe (principalmente com nossa realidade mais comum, carente de rede de apoio) e seria humanamente impossível acertar sempre. No entanto, não faltam “avaliadores” que se sentem aptos a questionar e julgar cada mínima ação ou omissão do dia a dia de uma família.
Talvez o que tenhamos que refletir profundamente sobre a premissa desse filme é o quanto estamos (nós, corpo social) tornando impossível a continuação da espécie humana ao sermos tão exigentes a respeito de algo que o ser humano faz há mais de duzentos mil anos. Ao buscar essa perfeição, talvez estejamos tornando o processo intransponível e o resultado se vê: cada vez menos pessoas dispostas a serem pais.
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Autora: Regina Miranda / @reginaliber2020





