Mulheres-mães protagonistas da própria história

Precisamos falar sobre perda gestacional e neonatal no ambiente de trabalho

Precisamos falar sobre perda gestacional e neonatal no ambiente de trabalho

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É bem provável que você nem saiba, mas, no dia 15 de outubro, foi celebrado o Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal. Essa data foi instituída para trazer reflexão à invisibilidade de mães e pais que perderam seus bebês durante a gestação ou durante os 28 primeiros meses de vida.

Mas, afinal, por que falar de um assunto tão particular e delicado no ambiente de trabalho, assim como eu sugiro no título desse texto? Isso não deveria ser um segredo?

Eu te digo que não! Esse silêncio só faz aumentar ainda mais o tabu existente na morte de bebês e, consequentemente, só agrava ainda mais a dor de quem perdeu o filho

luto invisível enfrentado por mães e pais é uma triste realidade que muitos profissionais enfrentam de maneira solitária. A pessoa não sente vontade de trabalhar, o sonho que ela alimentava por meses, veio por água abaixo. Depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, entre outros transtornos mentais podem ser desencadeados por quem perdeu um bebê.

A mulher quando perde um bebê até 27 semanas é considerado aborto espontâneo, ela poderá ficar 30 dias afastada do trabalho. A partir desse tempo, se acontecer a morte intrauterina é considerada natimorto e a essa mulher terá licença-maternidade. Os pais infelizmente só possuem 5 dias, no máximo, de afastamento.

Portanto, não há motivos para não abordar essa temática no mundo corporativo. Afinal, essa realidade é mais comum do que se imagina e essa é uma situação que irá impactar a vida de quem perdeu o bebê, consequentemente refletirá na vida profissional.

De acordo com dados da ONU, um natimorto ocorre em 16 segundos- cerca de 2 milhões de bebês nascem mortos todos os anos! Esse dado é da pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial e Divisão de População do Departamento Econômico e Assuntos Sociais da ONU. E o Brasil é o “pior entre os 15 países da América Latina com incidências de natimortos”.

O tabu da morte de bebês

Talvez você conheça alguém próximo, um parente ou uma pessoa conhecida que tenha passado por essa situação de perder um bebê. Mas e quando a (o) sua (seu) colega ou de trabalho é a mãe ou o pai que perdeu um filho, você sabe como reagir, o que deve ou não falar?

Não há receita de bolo, mas jamais diga “Foi melhor, Deus quis assim” ou “Você é jovem, logo engravidará de novo” ou quem sabe “Pelo menos foi quando era bebê, não deu tempo de se apegar”. Essas são frases que machucam e podem agravar ainda mais o sofrimento dos pais.

Mostre que você se importa, que compreende que aquele bebê, apesar de ter vivido um breve espaço de tempo, teve uma existência marcante para os pais e familiares. Não precisa querer encontrar explicações ou soluções mirabolantes para “fazer a pessoa se sentir melhor”. Entenda, nada que você fale, vai amenizar a dor!

Após a perda, o luto se instaura, ele existe, é real. Não tem tempo pré-estabelecido para terminar, tem altos e baixos, mas deve ser vivido e respeitado dentro das empresas.

Portanto, se algum colega de trabalho perder um bebê (independente de quantos meses e semanas) exerça a empatia e coloque-se no lugar. Você não fala para uma pessoa que perdeu a esposa ou o pai que após uma semana, um mês ou um ano que é preciso superar e dar a volta por cima. Ao invés disso, diga:

“Sinto muito, não consigo imaginar a sua dor. Mas estou aqui se quiser conversar sobre o seu bebê” ou “Foi especial o tempo que passaram juntos, é legítima sua dor”.

Ao conversar, escute a dor daquela mãe ou daquele pai, durante um tempo, eles podem querer repetir a história da gestação, como aconteceu no dia da perda ou não ou falar sobre os sonhos que tinham para realizar. Faça uma escuta atenta, falar sobre o bebê, faz parte do processo de elaboração do luto da pessoa.

Quando essa mãe ou esse pai retornar ao local de trabalho, não finja que nada aconteceu, isso é cruel. Se você for gestor ou da área de Gestão de Pessoas, convide essa mãe ou esse pai para um diálogo, pergunte se está bem para retornar as atividades ou se precisa de algum apoio.

Minha experiência

Durante dois anos participei do grupo de apoio Mães de Estrelas (espaço onde aprendi na pele sobre empatia), juntamente com apoio psicológico conseguir me fortalecer. Foi um período muito doloroso, mas também de muito aprendizado, descobertas e reencontros enquanto mulher, mãe e profissional. Hoje, tenho minha bebê-arco íris (alusão que fazem às crianças que nascem após a perda gestacional) Eloísa, menina que encheu novamente minha vida de cor e de amor, a irmãzinha da minha eterna Clarice.

Texto in memória a Clarice.

Se estivesse aqui, no último dia 07/10, seria o aniversário de 6 anos dela! Mas foi nesta data que minha Clarice partiu. Eu nunca imaginei que seria mãe de uma estrela, mas aconteceu comigo. Perder uma filha foi a maior dor que eu já senti na minha vida, eu diria que é uma dor enlouquecedora. Não há palavras suficientes para explicar o sofrimento que vivenciei durante o luto da minha bebê. Mas tudo se tornou pior, porque ao retornar da licença-maternidade, minha gestora nem se quer perguntou como eu estava e tratou-me como se eu tivesse voltado de férias. Passado o final do período obrigatório por lei, fui demitida, na segunda-feira, após o domingo que foi comemorado o Dia das Mães.

Por isso, mais do que nunca repito: precisamos quebrar o tabu, precisamos falar sobre perdas gestacionais/neonatais no ambiente de trabalho!


Autora: Gabrielle Garcia. Jornalista, mãe da Clarice e da Eloisa, mestranda em Inovação em Comunicação e Economia Criativa pela Universidade Católica de Brasília.

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