Minha filha me culpa por ter escolhido um péssimo pai para ela. Seguindo a mesma lógica, esse pai ausente deve merecer elogios por ter escolhido uma mãe que assume sozinha todas as responsabilidades pela criação da filha de ambos. Infelizmente, essa culpabilização da mãe solo não é um delírio que brotou da imaginação fértil da minha filha, é um ponto de vista enraizado na sociedade machista, patriarcal e misógina que vivemos.
Mesmo com todas as conquistas feministas, principalmente o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, encontrar um bom marido continua sendo percebido por muitos (e muitas) como uma das obrigações femininas. Isso é, as faltas masculinas são interpretadas como uma falha da mulher na escolha do parceiro. Como se ela fosse a responsável pelos defeitos de seu par, de forma semelhante como uma mãe é considerada responsável pelas dificuldades de um filho. Essa linha de pensamento leva a expressões como “ela tem o dedo podre”, se referindo a uma mulher que não sabe escolher bons parceiros.
Entretanto, os dados parecem contradizer essa crença de que uma mulher competente deve ser capaz de encontrar (e segurar) um bom pai para seus filhos. Segundo Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, de 2012 a 2022 a quantidade de domicílios com mães solo cresceu 17,8%, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões. Esses números indicam que muitos homens não estão arcando com suas responsabilidades parentais.
Sendo assim, não trata-se de um fato isolado de uma ou outra mulher que não souberam escolher seus parceiros, e sim de uma sociedade que normaliza a ausência paterna. Nesta realidade, em que muitos homens não performam minimamente o papel de pai, é mais do que esperado que muitas mulheres não tenham parceiros com quem possam dividir as responsabilidades na criação de filhos. Não porque tenham “dedo podre”, mas porque uma quantidade enorme de homens está aquém do que é esperado de um adulto consciente de suas obrigações.
Em pleno século XXI, é lamentável que os homens não sejam responsabilizados sequer por suas próprias ausências, que essa culpa continue sendo empurrada para a mãe solo por ter escolhido um parceiro medíocre.
Essa inversão de papéis e responsabilidade faz com que o casamento ainda seja enxergado como medida de sucesso das mulheres, principalmente das mães. Uma lógica que sobrecarrega as mulheres com culpas e obrigações, sem cobrar que os homens assumam responsabilidades nem em relação a suas próprias atitudes, que dirá em relação aos seus filhos.