Coluna – A mãe preta que não sabe sambar

Nem sempre tem a ver com samba no pé, ginga e malemolência. Já parou para pensar que nem toda mãe preta sabe sambar?

Coluna – A mãe preta que não sabe sambar

Compartilhe esse artigo

Março. Carnaval. A festa tão esperada por tantos.

Talvez, as coisas ainda não tenham engrenado porque, neste ano, o carnaval demorou.

A energia do carnaval carrega consigo muitas coisas: alegria, amor, conquistas, diversão, reclusão. Para uma grande parcela da população, ele traz um respiro — um descanso merecido para recarregar as energias para um ano que promete.

Deixa a mãe pular carnaval! Se despir de tudo aquilo que a sufoca, prende e amordaça. Enquanto os julgamentos sobre o que é profano ou sagrado, vulgar ou decente, divino ou terreno nos bombardeiam — das formas mais sutis às mais agressivas e crueis —, a mãe que tanto anseia pela chegada do carnaval só quer se divertir.

Nem sempre tem a ver com samba no pé, ginga e malemolência. Já parou para pensar que nem toda mãe preta sabe sambar? E por que deveria? Ah, mas tá no sangue… Tanta coisa também está.

Parece que é um dever: se é preto, tem que sambar. A mulher preta tem que sambar, sensualizar, ensinar como samba. Não temos apenas um pé na cozinha, temos alma! O pulsar que bate no peito acompanha a vontade vibrante de viver!

Essa ginga está, sim, presente em nós — mesmo quando a negamos. Mas nos resumir a samba e gingado é demais! Nosso dia a dia exige essa ginga a cada passo dado.

É a mãe preta que se levanta antes mesmo do Astro-Rei; que faz manobras de “tira casaco, bota casaco” no carrinho do supermercado, antes mesmo dessa história de café ou ovos que se instalou em 2025. É a mãe preta que insiste para que os filhos não desistam de estudar — porque é isso que eles querem. Tentam sempre nos colocar na base da pirâmide, responsáveis apenas pela produção.

O carnaval escancara muita coisa, mas a maior delas é inatingível! Nunca vão conseguir arrancar isso de nós.

Por anos, odiei o carnaval. Mas, quando me descobri mulher preta e me (reconectei com minha ancestralidade — com toda a magnitude que nela há —, enxerguei nossa grandiosa herança de reinos encobertos e saqueados, as fantásticas histórias de griôs, a inteligência por trás de cada plano singelo de agricultura e matemática, a apreciação e o respeito pela natureza, a generosidade no doar-se pelo outro.

A venda que cobria meus olhos caiu. E, com ela, muitos preconceitos que me assombravam, inclusive sobre religiosidade e sobre a aparência de um povo que só quer ter e manter a dignidade de viver. Viver e proporcionar aos seus, opções de caminhos que tragam as oportunidades que não tiveram. Porque, no fim das contas, como diria Emicida: “Tudo que nóis tem é nóis!”

E não condenem a mãe preta que não sabe sambar. Na maioria das vezes, é ela quem sustenta uma escola de samba inteira!

Viva o carnaval! Que possamos exaltar a força de cada mulher preta que se faz presente — seja na bateria, na harmonia, na alegoria, no samba no pé (ou na tentativa dele) ou até mesmo na sua ausência. Afinal, o que seria do carnaval sem o fruto por ela gerado?

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário