O custo real do autismo numa família

O alto custo financeiro e emocional do autismo recai sobre as famílias no Brasil, enquanto países desenvolvidos investem em políticas públicas que garantem suporte adequado – uma escolha que, além de humanitária, evita crises sociais futuras.

O custo real do autismo numa família

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Dizem que a Suécia é o melhor lugar do mundo para se viver com autismo, pois apresenta indicadores positivos em relação aos serviços de saúde e um sistema escolar adaptado desde a educação infantil até a universidade. Austrália e Canadá também se destacam: o primeiro investe fortemente em pesquisa e na criação de espaços públicos inclusivos, enquanto o segundo oferece um robusto sistema de apoio às famílias.

No Brasil, estamos muito distantes dessas condições – e olha que na Suécia o sistema de saúde é exatamente igual ao nosso, inclusive gerenciado localmente por prefeituras.

Podemos acreditar que educação de qualidade e maior acesso à informação promovem um sistema de saúde mais humanizado e eficiente. Ou talvez a explicação seja mais simples: a diferença está no fato de serem países ricos, com menos corrupção e uma estrutura governamental que prioriza o bem-estar social.

Esses três países têm em comum algo além da qualidade em saúde e educação: eles possuem políticas sociais que garantem suporte adequado às pessoas autistas e suas famílias. Em outras palavras, o tratamento não pesa no bolso da família – o governo investe e arca com esses custos. E isso tem um objetivo muito claro, que é o que quero abordar aqui.

Antes de continuar, preciso esclarecer que este texto é escrito do ponto de vista de uma mãe de classe média, com ensino superior e alguma rede de apoio. Não pretendo representar toda a comunidade autista, mas sim trazer uma reflexão sobre o impacto financeiro do diagnóstico de autismo para as famílias.

No Brasil, acredita-se cegamente em tudo o que é dito na TV (ou nos grupos de WhatsApp) – e ultimamente têm falado muito sobre AUTISMO.

Dizem que os planos de saúde entrarão em colapso se forem obrigados a cobrir a longa lista de terapias necessárias para os autistas. Dizem que há uma “epidemia” de diagnósticos que nenhuma prefeitura conseguirá atender. Dizem que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) só deveria ser concedido para autistas nível 3. Dizem até que crianças autistas são torturadas em sessões de terapia.

Dizem muitas coisas. Mas não dizem o mais importante: quem paga essa conta?

Qual o custo de uma criança autista para sua família?

Comecei a refletir sobre isso depois que o INSS negou, por duas vezes, o benefício do BPC para minha filha autista nível 3, não oralizada. A resposta-padrão da negativa não explica o que faltou comprovarmos, mas todos sabemos o motivo: ela tem um pai. Um pai que é funcionário público, professor da rede estadual, que garante um plano de saúde e um salário supostamente suficiente para cobrir os custos que o plano não cobre.

À primeira vista, pode parecer justo. Eu mesma não discordaria. Mas há muitas outras informações que o INSS não levou em conta, mesmo após o envio de inúmeros documentos:

  • Ela tem uma irmã gêmea, também autista, nível 2 de suporte, que fala, mas tem TDAH e apraxia.
  • Tem uma irmã mais velha autista nível 1.
  • Tem um irmão mais velho com autismo nível 1, diagnosticado tardiamente.
  • Todos demandam tratamentos. Alguns são cobertos pelo plano de saúde, outros não – e esses são pagos por nós.
  • Há também remédios e uma alimentação mais cara devido às alergias alimentares e à seletividade alimentar.

A cada dia, cortamos mais e mais gastos para manter o mínimo necessário de tratamento. Antes, tínhamos dois salários nesta casa. Agora, temos apenas um.

A mãe deixou de trabalhar. Não porque era a melhor opção, mas porque era a única. No interior de Sergipe, tornou-se terapeuta, cozinheira especializada em seletividade severa, alfabetizadora autodidata em neurodiversidade (formada pelo Google e YouTube) e mediadora de conflitos nível ONU (porque brigas entre crianças autistas geram o mesmo nível de estresse que conflitos armados).

Enquanto isso, as demandas financeiras só aumentam: inflação, aluguel, gasolina, alimentação, medicamentos controlados para a mãe e, de vez em quando, um passeio raro a cada seis meses.

Para garantir um desenvolvimento minimamente autônomo à minha filha mais severa, precisaríamos de:

  • Psicólogo ABA
  • Psicopedagogo
  • Terapia ocupacional
  • Remédios para controle da agressividade e do sono
  • Aulas de dança (único espaço social que frequenta)
  • Alguma atividade física rotineira

Imaginam o custo disso tudo?

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Pensi com 176 famílias de todo o Brasil apontou que o custo adicional para criar uma criança autista gira em torno de R$ 1.859,00 por mês – um valor que se soma às despesas básicas de qualquer outra criança.

Porque o gasto não é apenas com tratamento. Há também material escolar, fardamento, mochila, tênis, roupas. E mesmo estudando em escola pública, onde não pagamos livros, os custos ainda são enormes.

A realidade é que estamos acumulando dívidas, assim como muitas outras famílias. E, ainda assim, não posso nem imaginar o que é a vida de uma mãe solo, sem emprego, com dois filhos PCD e apenas um único BPC para sobreviver.

Mas posso me indignar quando alguém sugere que essas mães “não lutam pelos filhos”, que “só querem o benefício”. Deve ser fácil dizer isso quando nunca se precisou escolher entre comprar comida ou o remédio do filho naquele mês.

O julgamento social imposto às mães é sempre cruel – e basta uma ida aos ambulatórios do SUS para constatar a realidade: filas que começam às 5h da manhã, mães que viajam horas do interior para conseguir um laudo neurológico, fundamental para garantir uma auxiliar na escola, acesso ao remédio gratuito no posto de saúde ou a gratuidade no transporte público para levar a criança às terapias.

A realidade é brutal.

Brutal para qualquer mãe. Ainda mais para mães de crianças com deficiência. Ainda mais para mães solos e periféricas.

E mais brutal do que isso só a desinformação da mídia e das fake news, que tentam convencer o senso comum de que, na verdade, há um “exagero” no diagnóstico do autismo.

O custo do descaso

É ABSURDO que os governantes não percebam que o autismo não tem apenas um custo financeiro para as famílias – ele tem um impacto social e de saúde mental para todos os cuidadores.

E, a longo prazo, esse descaso terá um preço alto:

  • Cada BPC negado.
  • Cada política pública inexistente.
  • Cada cuidador sobrecarregado.

Tudo isso se somará, no futuro, ao colapso do sistema de saúde e previdência. Seremos uma sociedade repleta de adultos neurodivergentes sem autonomia, demandando ainda mais serviços públicos. Teremos uma geração de cuidadores exaustos e adoecidos, resultando em mortes precoces.

Os governos que investem no desenvolvimento das crianças autistas sabem disso. Não se trata de caridade, mas de uma decisão econômica inteligente.

Se não podemos contar com a empatia dos governantes, espero que, pelo menos, um dia eles enxerguem os números – e percebam a urgência de investir em nossa comunidade.

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