Mulheres-mães protagonistas da própria história

O caso do dente encantado

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Nove anos.

Dentes ainda sendo trocados. Mas com mais tranquilidade do que os primeiros a abrirem janelinhas.

A menina brincava com aquele cume movediço. Empurrando-com a língua. Fazendo-o girar ao mais leve sopro. Sabia que não permaneceria na boca por muito mais tempo. Tampouco tinha coragem de dar o golpe final, que não precisaria de muita força ou esforço para apresentar resultados.

De repente, aconteceu. O dente escapuliu. Nem bem se sabe como.

Ela foi ao banheiro. Pegou a escova de dentre e lustrou aquele caquinho como se cuidasse da saúde de um dente vivo. Tanto esmero tinha uma razão. Agradar a fadinha do dente. Ela viria naquela noite. Como tinha vindo a cada noite de dente arrancado. Para levar o mimo e deixar outro.

Tinha dúvidas se a fada abandonaria ali alguma moeda ou seus doces preferidos. As duas alternativas já tinham acontecido. Por isso, não era possível ter certeza da escolha para aquele dia de outono.

Tudo bem que já não acreditava na fada tanto assim. Nove anos. O coelhinho da Páscoa já estava desmascarado. Papai Noel nem se fala. Mas a Fada do Dente. Dava mostras de que podia ser alvo da crença infantil. Ainda.

A noite foi chegando. Hora de abrir a caixa em que tinha depositado o pequeno tesouro. Ia ser colocado já já embaixo do travesseiro. E que a noite fosse tranquila. De sonhos bons. Para que a fadinha sentisse aquela aura de energia positiva e se sentisse em casa. Se ficasse bem feliz, talvez deixasse mais moedas ou doces do que pretendera no início da visita.

De repente. O grito. As lágrimas. O chamado pela mãe. O dente não estava lá. Mas como? Tinha certeza de que o guardara no pequeno baú de madeira imitada. A procura foi intensa. A tristeza também. A mãe, acusada de não ajudar o suficiente. Teve que escolher bem os argumentos e o posicionamento para lidar com aquilo. Queria evitar ferir e ser ferida. Por uma pequena duas vezes sem dente. Na boca. Na caixinha.

O dente foi buscado na lixeira do prédio. Nada. Em cada cantinho do apartamento, varrido mais de uma vez para dar-lhe a chance de aparecer. Nada.

Havia um silêncio no ar.

A dor aguda da perda.

Mas a vida foi sendo tocada. Como é de bom tom em caso de perdas agudas. Tocar a vida. Um pouco para esquecer. Um pouco para não lembrar.

Até que do celular da mãe veio a resposta. Trouxe alívio. Mas incredulidade.

O amiguinho mandava um recado de áudio. Voz oscilante. De quem dizia algo em que não acreditava de todo.

– Desculpa. Eu peguei seu dente. Eu nunca mais vou fazer isso.

Não se sabe as razões do pequeno delito. Arrisca-se que o menino tinha interesse em ser visitado pela Fada do Dente. Receber moedas ou doces. Ou algo novo que o surpreenderia. Mas foi admoestado. A fada não vem quando o dente não é próprio. E não é legal pegar as coisas das pessoas.

O certo é que o dente foi bem tratado. Conseguiu mudar de casa e de travesseiro sem ser perdido, de verdade, no caminho. Havia muita expectativa em torno de seu poder em atrair um ser encantado.

Descoberto, não lhe restou outra alternativa. Devolveu o item. Tocou a vida. Como é de bom tom em caso de perdas agudas. Tocar a vida. Um pouco para esquecer. Um pouco para não lembrar.

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