Maternidade (In)visível

Jennifer Mariane Galdino De Queiroga 1024x576

Maternidade (In)visível, Jennifer Mariane Galdino de Queiroga Egues – @ornitorrinco_Florido

Faz alguns poucos anos que estou nessa empresa vital chamada maternidade. Mas, nesses seis anos de caminhada, percebi que não posso fazer parte do clube de mães. Não posso participar do clubinho, pois, na competitividade de quem tem o “melhor filho”, o meu nem seria classificado.

Meu filho não falou aos dois anos, tampouco caminhou. Não diz coisas engraçadas e embaraçosas que ficarão na memória dos familiares. Entre olhares da sociedade, uma criança atípica cresce e uma mãe desaparece. Meu filho nasceu com uma síndrome e, aos olhos dos “outros”, falhei em minha única responsabilidade: parir uma criança saudável. Por isso, eu não mereço receber homenagem no Dia das Mães.

Se meu filho não fala, ele não precisa participar de um coral ou estar com outras crianças declamando poesias. Se ele não anda, é melhor deixá-lo na plateia, talvez observando os colegas — ou, ainda, que nem apareça na festividade. Se ele não segura o lápis, não há motivos para que eu receba uma carta ou um desenho, mesmo que em rabiscos. Se meu filho não entende nada do que acontece ao seu redor, talvez nem saiba que tem uma mãe. Ao menos é assim que a sociedade vê.

À primeira vista, como coloquei um corpo disfuncional no mundo, cabe a mim ser guerreira. Papel admirado e estigmatizado de luta, amor abnegado, que não recebe nada em troca. Mas, se é assim, talvez seja porque os outros querem que seja assim.

Maternar é um ato solitário, em qualquer cenário. No entanto, quando o maternar é atípico — e devo dizer que não gosto desse termo, pois sinto que pari um pedaço de aipo em vez de uma criança — somos “admiradas” por um aparente sofrimento e deixadas à própria sorte, para que possamos viver sendo constantemente lembradas de algo que nunca esquecemos, mas que, no nosso dia a dia, ao olhar para os olhos de nossos filhos, não faz qualquer diferença: a deficiência.

Não sou especial, não sou guerreira, não sou um anjo na Terra escolhida por Deus para sofrer em contrição. Sou mãe, cuidando da cria com tudo que tenho e posso. Muitos dos desafios do maternar atípico estão na atitude social que nos impede de ocupar espaços e falar abertamente sobre como alguns dias são mais cansativos do que outros. Mas ninguém pergunta o motivo de estarmos cansadas.

Quando uma mãe ousa reclamar, os comentários ferinos sobre “arcar com nossas escolhas” não tardam a aparecer. O cansaço não vem das longas horas na sala de espera da terapia, muito menos de carregar nossos filhos ou manter vigilância sobre eles, mas da desesperança. Não nos deixam sonhar com um futuro. Querem nos obrigar a pensar que nossos filhos nada valem, que são apenas um objeto frio e pesado que deve ser arrastado.

Se digo que meu filho pode ser o que ele quiser, o desconforto brota na face do outro; o riso de constrangimento adorna as bochechas vermelhas de vergonha por não querer ser a pessoa que falará “a verdade” para aquela pobre coitada. Ninguém nunca será capaz de entender como um traço disforme em um papel, na parede ou no chão, faz a diferença na vida de uma mãe. Você, que também é mãe, pode ter chegado até aqui nessa leitura e pensado que também passa por isso com sua prole, ainda que não haja deficiência. Pois bem, isso é porque, assim como você, eu também sou mãe.

A alegria que você sentiu no primeiro sorriso do seu filho, eu também senti ao ver meu filho sorrir. Também comemorei os primeiros passos, a primeira palavra. Eu fui feliz desde o momento em que meus olhos cruzaram com os dele e eu sabia que era meu — e para sempre vai ser. Toda mãe é para sempre, assim como todo filho é para sempre, ainda que saia de casa e forme sua própria família.

Meu maternar passa a ser invisível quando as pessoas têm medo de nos olhar e perceber que o mundo não é perfeito. Nunca fui tão feliz, mesmo havendo dor no processo. Acredite: mesmo fora dos padrões almejados pela maioria, nosso mundo atípico é perfeito no seu jeito complexo e intrincado — exatamente nos moldes do que é considerado viver.

Finalmente, quero lhe dizer, querida amiga mãe: saiba que você é o mundo para sua criança. Creia quando eu digo que esse ser pequenino é capaz de cantar para você — seja com a voz, os olhos, as mãos ou com o coração. Eu sei que dá medo, e é constante. As dúvidas nos acompanham. Mas, ainda que seja por uma piscadela ou um suspiro, veja a beleza do amor, tenha esperança e sonhe! Resplandeça — e nunca deixe que ninguém tire de você as alegrias e os desafios da maternidade.

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