Mulheres-mães protagonistas da própria história

Maternidade, autismo e solidão

Maternidade, autismo e solidão

Compartilhe esse artigo

Todos comemoram. Aplaudem a mãe iludida e que sonha surfar em um mar de rosas. Quem não quer se ver em outro ser? Grande parte das mulheres anseiam por esse momento, mas, e quando a criança idealizada não vem?

No começo, ainda sem diagnóstico, mesmo diferentes, essas crianças são abraçadas por todos. São feitas juras de amor eterno, visitas frequentes, promessas de aplausos nas futuras festinhas. E, antes que se assopre a 3° vela, vem o diagnóstico! No caso da minha filha, foi o de Transtorno do Espectro do Autismo. 

A casa antes cheia, passou a ser tomada por um assombroso silêncio. Você vai, literalmente, contando aqueles que ficam nos dedos de uma mão só. A coragem que antes existia, também nos abandona na mesma velocidade em que todos esses se vão. Aos sábados,  não tem os passeios com tios na praça, os filhos dos amigos não são amigos da sua filha, e, pode ser que até os 5 anos , você receba um convite para uma festa infantil.

Acredite, é mais fácil acertar na mega sena da virada, do que isso acontecer! De repente,  quando você se dá conta, é somente você e sua bebê em seus braços. 
No decorrer do caminho interminável, muitas incertezas, prognósticos desmotivantes, sonhos interrompidos, famílias destruídas.

No dia do 3° aniversário da minha filha, enterrei a filha idealizada que não tive. Decidi viver plenamente para a filha que veio para mim. Sabia que enfrentaria um mundo cheio de preconceitos e solidão.

Ensinei minha filha a olhar em meus olhos, e dia após dia, em cada olhar, ela subia mais um degrau em seu desenvolvimento. Com os meses passando, descobri que ela sabia ler. 

Depois, que sozinha, ela  aprendeu inglês assistindo a tv. Mas, esse talento tinha um nome: Hiperlexia. 

No dia 23/12/2019, recebi o laudo confirmando que esse talento era a comorbidade dela no TEA. A criança aprende visualmente, memoriza e usa esse vocabulário acumulado, mas sem conseguir se destrancar desse mundo fabuloso. A chave para que destranca essa porta? Ainda estou a procura dessa chave.

Quantas vezes, tomada pela sombra do abandono, eu desejei que ela não existisse. Quantas vezes, sufocada pelo silêncio das palavras inexistentes, eu pensei em nos silenciar eternamente. Foram inúmeras vezes. Foram inúmeras as vezes em que chorei na calçada da escola, e ela, chorava de desespero lá dentro. Inúmeras vezes, eu pensei em desistir. Incontáveis vezes, eu desejei não ser aquela mãe ali, mas quando eu olhava para os lados, só éramos eu e ela naquela calçada.

Ela vinha, me olhava e sorria. Era daquele sorriso que eu tirava forças de onde não tinha para me manter ali com ela, e nela para sempre. 
O mais desesperador, era perceber os olhares de pena, o desprezo, o abandono frequente. É insistente a sombra da família desfeita, a fraqueza permanente do dinheiro que não preenche a presença e nem compra o respeito que é tão merecido. É lamentável observar a fuga e a vergonha advinda da herança genética passada por quem deveria se orgulhar de ter vencido a mesma luta. Mas, digo em silêncio para minha filha, quem ama de verdade fica, preserva e insiste, mesmo quando o mundo nos direciona para partir.

O tempo até que acalma. As palavras chegaram assobiando como o vento, e até naquele barulhinho quase mágico do cantarolar dos pingos da chuva. Contávamos as estrelas, os segundos para um foguete ir ao espaço, os planetas do sistema solar, sendo que Saturno, por mérito, era por direito dela. A doçura do abraço duradouro, o amor frequente que transborda nos olhos negros como jabuticabas. Como tudo isso fez muito barulho por aqui nesses últimos 2 últimos anos! Ganhamos quando perdemos, e , infelizmente, perdemos quando achávamos que o nosso time estava completo.

Os amigos? Cabem na conta dos dedos ainda. Mamãe? Ah, essa é a palavra que mais ecoa pela casa cedida como ato de pena. Talvez, um dia, não muito longe, eu possa ouvir uma frase inteira da minha filha: – Mamãe, obrigada por ter ficado comigo e por não ter soltado a minha mão. 


Autora: Josie Roberts, Mãe atípica e Escritora. 

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário