#MãeStranda, Débora Maria de Matos Ireno Dias – @deboraireno
Eu tinha acabado de chegar no Mestrado. Após anos relutando sobre seguir ou não o caminho acadêmico, ter passado na seleção para estudar Educação e Formação Humana na Faculdade de Educação da UEMG agora me parecia o mais inusitado e desafiador momento de minha existência. Por semanas a fio, estudar autores nunca antes lidos, enfrentar os 400km que separam minha casa da FAE, ida e volta, três vezes por semana, ficar distante de casa e do marido.
Abrir mão de uma rotina já consolidada para me atirar ao desconhecido era algo que me causava ansiedade e também um certo desconforto, por me tirar do comodismo profissional. Mas havia também aquela ansiedade de quem começava a descobrir um novo mundo, cheio de artigos, ideias, discussões e partilhas, autores e escritores, projetos e pesquisas, que comungavam com minhas angústias profissionais, as quais me levaram a querer pesquisar sobre o trabalho e o adoecimento docente.
Aos poucos, fui entrando naquela engrenagem artigo-estudo-aula-discussão-debate-seminário, aliando com minha vida particular marido-casa-prática esportiva- pais. Nova rotina sendo consolidada com certo êxito! Até que, numa tarde de sexta-feira, esta rotina – que estava entrando nos eixos de novo – teve um reviravolta.
Há 5 anos, eu e Marcio buscávamos aumentar nossa família, mas os filhos vinham e iam embora em pouco tempo. Somos pais de quatro filhos que já nos esperam no céu. Na busca pela vivência da parentalidade, escolhemos o caminho da adoção. Foram 5 anos entre processos, habilitação, fila e espera. No primeiro dia de Mestrado, na roda de apresentação, falei da minha história e que, provavelmente, iria defender a dissertação com meu filho nos braços. Emoção!
Num final de aula, em maio, enquanto esperava pela minha carona, fiquei conversando sobre o tema adoção com algumas colegas, elas me questionando sobre o processo, sobre os sentimentos, expectativa e as demoras da espera. Eu falava e me emocionava. Lembro que, dias antes, era Dia das Mães. Para mim, o pior desde que comecei a viver o caminho da maternidade. Muitos questionamentos pelo colo vazio, pelo coração cicatrizado, mas ainda pulsando em dor pelas perdas acontecidas e pela demora do filho que não chegava.
E, naquela tarde de sexta-feira, ele chegou! Lembro do telefone tocando, me avisando que a “bolsa havia estourado”, eu e Marcio indo ao Fórum para conversar com a assistente social, enquanto nossas famílias corriam para organizar pacote de fraldas, lenços umedecidos e roupas de urgência.
Do Fórum fomos ao abrigo conhecer nosso filho, um bebê de 15 dias. Recém-chegado ao planetinha, com olhar assustado e curioso, veio ao nosso colo se aconchegar. Ou será que fomos nós que nos aconchegamos nele? Ali ficamos, nos olhando num silêncio embalado por lágrimas enquanto o sol entrava pelas janelas da casa e nos iluminava, naquele instante precioso: ali, nasciam efetivamente um Pai, uma Mãe e um Filho, para sempre!
Passados alguns instantes, foi a hora de ver a praticidade da Vida. Avisar no trabalho. Ligar para a orientadora: “Professora, meu filho nasceu, eu nasci Mãe!” Um susto, ou surto, geral. Pedir a licença maternidade no mestrado, mas, mesmo assim, terminar os artigos em execução para concluir os créditos.
Em meio à euforia da Maternidade, a insegurança que vem junto no pacote mãe-filho, ao caos instalado por mamadeiras, fraldas, refluxos, privação de sono e toda a novidade tão inesperada – pelo fato da Adoção não avisar quando irá chegar o Filho – ainda tinha o Mestrado! Lembro-me de levantar às 4h para começar a escrever e ir dormir pelas 22h sem nem mexer um parágrafo: a única Educação e Formação Humana que eu tentava estudar e entender era o meu Filho recém parido, recém-chegado ao nosso mundo. Foi neste momento que também conheci a rede “Mães que Escrevem”, ganhando de uma Professora do Mestrado, a Edição 10 – Especial de Aniversário. E me identifiquei com alguns relatos ali postos, vendo que era possível continuar meu estudo e viver minha maternidade.
Em meio à euforia da maternidade e dos compromissos do mestrado, me vi tendo crises de choro, pânico e ansiedade. Momentos em que não dava conta nem de olhar o computador e a palavra “artigo”, nem de olhar meu filho com suas demandas.
Eu chorava por me culpar ao não conseguir segurar ele no colo, nem dar conta do estudo que eu tanto queria. Caos instalado em forma de puerpério! Um nome que eu só tinha ouvido falar para as “mães biológicas” e não sabia que existia também na adoção. E existe, eu vivi e tenho memórias não afetivas dos momentos tensos que passamos – eu, filho e marido. Se não fosse ele com a rede de apoio, os artigos teriam ficado por escrever e eu não teria conseguido superar a complexidade do momento, para viver a maternidade com toda a verdade que é possível viver.
Hoje, exatos dois anos após aquele telefonema na tarde de sexta-feira, estamos vencendo esta fase #MãeStranda: dissertação quase concluída e filho se desenvolvendo em sua plenitude, com seu olhar curioso desbravando o planetinha.
Seu sorriso que traz paz, seu falar ainda embolado que me mostra o quanto é fundamental termos “uma aldeia para educar uma criança”. Seus primeiros passos correndo atrás de uma bola ou sua mãozinha empurrando carrinho e empilhando peças; sua atenção observando as cores e letras de uma caixa qualquer.
Com ele estou descobrindo a mim mesma: a mulher, mãe, acadêmica, filha, esposa, desportista, católica, irmã, amiga, professora – todas as identidades que me compõem e fazem parte da minha história. Ao descobrir-me mãe, permiti-me descobrir o próprio mundo que habita em mim. Minha educação e formação humana passam, necessariamente, pela maternidade!





