Em uma conversa franca e emocionante, Eliana Nakakubo entrevista Suellen Priscille. Mãe de Clara, uma menina de nove anos com múltiplos diagnósticos, Suellen Priscille compartilha sua jornada na maternidade atípica, a luta por inclusão e como encontrou nas redes sociais uma plataforma para informar, acolher e inspirar outras famílias.
Eliana Nakakubo: Suellen Priscille, conte-nos um pouco sobre você e a Clara. Qual o diagnóstico dela e como foi o momento em que vocês o receberam? Como essa notícia impactou você?
Suellen Priscille: A Clara tem nove anos e um caminho marcado por desafios e superações. Ela possui diagnóstico de autismo nível 3, o que significa que é não verbal, além de paralisia cerebral e, mais recentemente, deficiência intelectual. Nossa história começou cedo, com uma gravidez de alto risco e um nascimento prematuro. Clara passou 50 longos dias na UTI neonatal, e foi lá que recebemos o primeiro diagnóstico: paralisia cerebral. Desde então, nossa vida tem sido uma rotina intensa de intervenções – fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional – tudo para apoiá-la.
Com o tempo, comecei a notar outras características, sinais que apontavam para o autismo. A confirmação veio quando ela tinha dois anos e meio. Sinceramente, não foi um choque. De alguma forma, meu coração de mãe já sabia. Estávamos imersas nas terapias, e os sinais eram claros. Continuamos focadas nos estímulos, buscando sempre a maior autonomia possível para ela.
O diagnóstico que realmente me abalou, que me fez sentir o peso da jornada, foi o de deficiência intelectual, recebido recentemente. Diferente dos outros, esse eu senti profundamente. Não vivi o “luto” nos primeiros diagnósticos, talvez porque já estivesse na linha de frente, lutando, correndo atrás das terapias. Mas desta vez, precisei parar. Permiti-me sentir, processar a notícia e recalcular a rota. A maternidade atípica não é fácil, não há como romantizar. Vivemos em uma montanha-russa de emoções, dias bons e dias difíceis. Mas busquei sabedoria e força para seguir, sempre com o foco no que realmente importa: a felicidade e a qualidade de vida da Clara. Vê-la feliz, conquistando sua autonomia dentro de suas possibilidades, é a minha maior recompensa.
Eliana Nakakubo: Para você, o que significa viver a maternidade atípica?
Suellen Priscille: Para mim, a maternidade atípica é a personificação da resiliência, da coragem, da força e, acima de tudo, da fé. É um caminho onde, dia após dia, nos desdobramos para oferecer o melhor suporte aos nossos filhos, mesmo quando a exaustão nos consome, a sobrecarga pesa e a incompreensão da sociedade nos isola. A falta de uma rede de apoio é uma ferida aberta para muitas de nós, mas, ainda assim, encontramos uma força inexplicável para seguir, para desbravar novos caminhos que permitam o desenvolvimento dos nossos filhos.
Essa jornada me ensinou a enxergar beleza nos detalhes mais simples, a celebrar cada pequena vitória como um marco grandioso, mesmo que para o mundo pareça trivial. Aprendi a ver cada conquista da Clara como um verdadeiro milagre, porque só eu sei o suor e a luta por trás de cada passo, cada avanço.
Contudo, a realidade também é dura. Enfrentamos o preconceito e o julgamento constantemente, como se a deficiência fosse uma sentença de limitação absoluta. E isso dói, porque eu conheço o potencial imenso que nossos filhos carregam. É por isso que escolho, todos os dias, lutar por uma sociedade mais inclusiva, mais respeitosa, que consiga enxergar além dos rótulos e compreender a profundidade do que significa a deficiência.
A maternidade atípica é essa montanha-russa constante: um dia estamos no topo, comemorando, e no outro, enfrentamos crises e desafios que parecem insuperáveis. Mas, mesmo nos dias mais sombrios, permanecemos firmes. Somos o porto seguro dos nossos filhos, a mão que os ampara quando o mundo lhes vira as costas. E é nessa força, nesse amor incondicional, que encontro a motivação para continuar. Porque, apesar de tudo, acredito em dias melhores, acredito que cada esforço vale a pena e que cada batalha vencida nos aproxima de um futuro com mais empatia, respeito e inclusão para eles.
Eliana Nakakubo: O que a motivou a escrever um livro e a compartilhar sua jornada tão abertamente nas redes sociais?
Suellen Priscille: A decisão de escrever meu primeiro e-book nasceu do desejo profundo de levar informação sobre o autismo a mais pessoas. Quero que outras famílias compreendam melhor essa condição, que se sintam conectadas através das experiências que compartilho no meu dia a dia com a Clara. Meu objetivo é também alcançar aquelas famílias que estão recebendo o diagnóstico agora, oferecendo um pouco de luz e entendimento sobre os desafios e as imensas possibilidades dessa jornada.
As redes sociais se tornaram uma ferramenta incrivelmente poderosa para amplificar essa mensagem de conscientização. Hoje, consigo alcançar milhares de pessoas, falando de forma respeitosa sobre o autismo, suas comorbidades e outras deficiências. Meu perfil não é apenas um diário pessoal, ele tem um propósito claro: mostrar à sociedade que o autismo existe, que inúmeras famílias vivem essa realidade e que precisamos urgentemente de mais empatia e respeito.