Coluna – Benditas sejam as mães pretas

Benditas sejam as mães pretas que se reconhecem no olhar; que vibram com a conquista dos pretinhos alheios e creem que a mudança, embora longínqua, um dia há de chegar.

Coluna – Benditas sejam as mães pretas

Compartilhe esse artigo

Quando a luta parece em vão, quando a causa parece pequena, quando achamos que estamos invisíveis, o destino — Deus, o cosmos, as divindades ou o acaso, como preferir — nos mostra o contrário.

Ser mãe é viver a luta diária de não parar. Exigem de nós e nós de nós mesmas. Mas o que fizeram conosco? E o que permitimos que fizessem?

Culpamo-nos por eventos naturais, por coisas que fogem completamente ao nosso controle — quando, na verdade, nunca o tivemos, e nem precisamos tê-lo.

Tudo isso se intensifica quando sentimos na pele algo que só mães enfrentam. Os tempos são outros, sim, mas há coisas que, infelizmente, não mudam.

Poderíamos ficar por aqui falando de várias coisas — que nós, mães pretas, já estamos cansadas de dizer, e vocês de ouvir —, mas hoje vai ser diferente. Hoje vamos falar de encontros.

Encontros dos quais nascem o renovo, a esperança e, mais do que isso, o impulso. Ouso dizer que, quando esse encontro acontece dentro de cada mãe preta — seja ela mãe de menino ou de menina, de filho único ou de três, mãe solo ou de “família tradicional”, mãe de pretinhos ou mãe preta de filho branco —, ah, quando esse encontro acontece, a conexão traz uma implosão. E, como mágica, nos reconhecemos em nossas dores e firmamos, então, um contrato de cumplicidade.

Nossas dores são intensas, pois carregamos aqui dentro histórias que nos antecedem. Nem tudo são dores, mas também nem tudo são flores. Por isso nos reconhecemos. Por isso choramos por Ágatha e Miguel, João Pedro e Douglas, Cláudia e Wesley — sejam eles da cidade grande, das comunidades ou do interior. O nome muda, mas a semelhança com um dos nossos só aumenta.

A impunidade nos enterra junto deles. Perdemos as forças. Por vezes, o luto nos consome.

Até quando? Até quando isso nos assombrará?

Benditas sejam as mães pretas que se reconhecem no olhar; que vibram com a conquista dos pretinhos alheios e creem que a mudança, embora longínqua, um dia há de chegar.

E não se enganem: a nossa força pode, por vezes, se esconder, mas temos umas às outras. Nada que uma boa roda ou uma reza não dê jeito. Na rua, na chuva, na fazenda ou numa Casinha Amarela — nos lugares certos, o mais improvável pode acontecer, e aquele fôlego é retomado, vindo com um turbilhão de emoções ecoando e reverberando verdades nunca ditas, reflexões abafadas, acolhimento em simples e duradouros abraços.

Afinal de contas, toda mãe merece alegrias nessa vida (e um pouco de sossego também!). Por isso, é essencial que encontremos espaços seguros onde possamos descansar, partilhar nossas histórias, rir e chorar sem medo de julgamento. O acolhimento recíproco é o que fortalece nossa caminhada, é o que nos dá força para seguir mesmo quando o peso parece insuportável.

Mães pretas são afagos na alma. Quem não tem uma que arrume já!

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário