Mulheres-mães protagonistas da própria história

Dar conta de tudo não é uma possibilidade

Dar conta de tudo não é uma possibilidade

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“Poderia ter feito melhor”. Com a mesma certeza de que dois e dois são quatro, sei que essa ideia já fez, ou ainda faz parte da vida da maioria das pessoas. Esse pensamento tem um nome longo, denso, amargo: autocobrança.

A autocobrança causa os mesmos efeitos do ar rarefeito – acelera os batimentos cardíacos, tira apetite, causa vômitos e, muitas vezes, dificuldades para respirar. Aperta o peito. É como subir ao cume de uma montanha, e quase sempre, mais de uma vez ao dia.

Disfarçando sua agressividade em melodia, a autocobrança usa uma voz suave, porém amedrontadora. Não grita, não esbraveja, se apresenta como aliada e sussurra que você não foi suficiente, que não deu o seu melhor, que não só poderia, como deveria ter se dedicado mais.

A autocobrança não aceita nada menos que a perfeição, e através da culpa – sua serva fiel –  vai obtendo o controle de nossas vidas, fazendo-nos sentir insuficientes, inferiores, incapazes. Quando menos se espera, ela aparece, vestindo sua toga de promotora ou de juíza. Porque a autocobrança é assim, ela mesma acusa e condena – jamais defende. 

As labaredas da autocobrança se atiçam quando o controle não está ao alcance de suas mãos. Ela não aceita ócio, pausas, descansos ou vazio. Quer sempre preencher os espaços e produzir com rigidez.

Quando penso em descansar ela me diz que tem louça para lavar, um bolo para fazer, banheiro para limpar, roupa para passar, dois filhos para educar, guarda roupas para arrumar, doações para separar, gatos para alimentar, plantas para regar, trabalho para adiantar, um curso para concluir, que algo precisa ser consertado, que uma ligação precisa ser feita. 

Imperdoável me relembra de algumas desistências e outros fracassos. Cruel, exige que eu seja a melhor mulher, a melhor mãe, a melhor esposa, a melhor dona de casa, a melhor amiga, a melhor filha, a melhor irmã e, sem dúvida alguma, a profissional de destaque dentro da empresa onde trabalho. 

Se penso em tirar férias ela apresenta uma lista de tudo que ficará acumulado, do imposto que deve ser pago no próximo mês, da reforma na casa, da rematrícula no colégio das crianças e de uma infinidade de outras obrigações financeiras que podem ser comprometidas com as despesas de uma viagem.

Talvez, ela também fale essas coisas para você. 

A autocobrança é uma voz sem dono, aquela bolha no calcanhar. Aquela que estoura, perde a pele e dói impedindo-nos de perceber o quanto já caminhamos, o quanto fizemos, o quanto de beleza existe ao redor, o quanto nos dedicamos, o quanto crescemos, o quanto educamos, o quanto produzimos, o quanto evoluímos. 

Ela mostra somente a escassez, escondendo toda a abundância, para que nos sintamos obrigadas a percorrer todo o arco-íris para encontrar o pote de ouro, numa procura exaustiva e infinita.

A autocobrança quer que possamos dar conta de tudo. O que falta é algum outro sentimento benevolente chegar de mansinho e explicar que isso é humanamente impossível. Ninguém consegue dar conta de tudo, ninguém consegue perfeição em tudo, ninguém consegue fazer tudo. Isso porque somos humanos e humanos tem limites. 

Para se cobrar menos é necessário se conhecer o suficiente e parar de se comparar, não só com outras pessoas, mas com a versão perfeita que a gente constrói de nós mesmos.

Dar conta de tudo não é uma possibilidade. 


Texto: Mabelly Venson. Mulher, mãe, educadora e escritora.Conversa com corações e constrói mundo imaginários – por escrito.* Instagram https://www.instagram.com/mabellyvenson/* Medium https://mabellyvenson.medium.com/


Texto revisado por Daiane Martins.

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