Chegando a casa, depois de um dia de trabalho que mereceria a trilha sonora do filme “007- sem tempo para morrer”, a mãe corre, sem saber ao certo o que priorizar. Ela agita-se por entre os cômodos e corredores da casa. Não está sozinha, há mais pessoas na casa com quem ela possa contar, e precisam dela também, mas ela está sem tempo, inclusive para perceber-se como esgotável. O menino liga a TV, mas não o apetece; tenta bater uma bola no quintal, mas não se anima. Olha a correria da mãe, não a identifica muito bem, e tenta um contato:
– Mãe, se eu tivesse uma dúvida muito difícil, uma dúvida difícil até de pensar, você me explicaria?
– Acredito que sim. Filho. E se eu não conseguisse resolvê-la, pelo menos tentaria! Qual é a dúvida?, mas me fale já entrando no banho.
– Você já respondeu, era só essa. Se algum dia eu tiver uma dúvida bem duvidosa mesmo, posso te perguntar, então? É isso.
– Então você não tem dúvida, filho. Era só uma conversa?
– Como não, mãe! Te fiz uma pergunta, você me respondeu. Pronto.
– Pergunta esquisita. Você anda fazendo essas perguntas esquisitas para sua professora? Porque se ela me chamar na escola por conta desse tipo de assunto, menino…
– Mãe, então eu não posso fazer perguntas difíceis pra minha professora? Ela vai ficar brava e você ficará brava, se ela ficar brava comigo?
– Vá tomar banho, querido, pelo amor de Deus!
– É pra eu parar de falar né, mãe, tá bom, eu paro. Você deve estar cansada. Quando eu acabar de tomar banho, posso jogar no celular?
A mãe cala, afaga o menino, chama-o para uma partida de jogo de tabuleiro, a urgência agora era ele, o resto e correria, poderiam ficar para depois. Depois ela se preocupa com o dever de casa, depois ela organiza o jantar, depois ela dobra as roupas e guarda os sapatos, depois ela descansa, depois ela toma banho, hidrata o cabelo ou lixa suas unhas das mãos. Depois ela começa aquele capítulo do livro novo, depois ela toma um vinho e marca um encontro com as amigas que não vê há tanto tempo, depois ela deita no colo do seu marido para receber carinhos e esticar as costas. Depois, agora ela joga trilha, dominó e damas, para não ter de dormir com o sentimento de ter calado seu filho.
Jogam por pouco mais de uma hora, o menino começou a cochilar e pediu para que ela deitasse ao seu lado. Naquele dia, teve sanduíche no jantar, não teve legumes, suco natural ou outra coisa muito necessária para o desenvolvimento saudável dele. As roupas, bolsas e sapatos não seriam guardados e todos continuariam a sua vida, estranhamente bem.
Os compromissos seriam agendados em outro momento e a sua unha das mãos estavam ótimas e desempenham bem a função de proteger as pontas dos dedos. Ela descansa depois, depois que todos adormecerem, talvez. O fim de semana já estava próximo, mesmo. Era isso.
Por Aline Aparecida Pereira – @alineap.pereira