Coluna – Você se sentiu acolhida quando criança para reproduzir com o seu filho os afetos que recebeu?

Coluna – Você se sentiu acolhida quando criança para reproduzir com o seu filho os afetos que recebeu?

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Essa é uma questão que aparece com frequência nos atendimentos com mães. Muitas mulheres chegam trazendo angústias ligadas ao medo de não conseguirem amar, cuidar ou se vincular ao filho da forma como gostariam.

Ao se tornarem mães, é comum que venham à tona lembranças da infância e das relações com as próprias figuras de cuidado. Para algumas, essas lembranças são de carinho e segurança. Para outras, são de ausência, críticas ou falta de afeto. Essa bagagem emocional pode pesar quando a mulher se vê diante do desafio de construir sua própria maternidade.

A herança emocional não é destino

Muitas mães se perguntam: “Se eu não recebi afeto da minha mãe, será que vou conseguir oferecer ao meu filho?” Essa dúvida carrega medo e sofrimento, porque a experiência passada parece se impor como um destino.

Mas é importante dizer: a história de cada mulher não determina de forma automática como será a relação com seu filho. A maternidade não é uma repetição mecânica do que foi vivido. É possível criar caminhos diferentes, ainda que as marcas do passado influenciem esse processo.

O vínculo com o bebê não nasce pronto. Ele vai sendo construído no dia a dia, a partir de pequenos gestos, de tentativas e erros, de momentos bons e também de frustrações.

Outro aspecto que aumenta a angústia das mães é a comparação. Comparar-se com outras mulheres, com a própria mãe, com avós ou com as imagens idealizadas da maternidade que circulam nas redes sociais só intensifica a sensação de inadequação.

Cada mulher vive sua maternidade em condições únicas: histórias de vida diferentes, realidades sociais diversas, níveis distintos de suporte, situações de saúde física e mental. Não faz sentido medir todas pela mesma régua.

A maternidade não é uma performance a ser cumprida. Ela é um processo cheio de nuances, atravessado por conquistas e dificuldades.

Acolher a si mesma para poder acolher o filho

Muitas vezes, o que mais angustia não é apenas o medo de falhar com o bebê, mas a dor de perceber que ainda há feridas abertas da própria infância. Isso não é sinal de fraqueza. É uma constatação importante, que pode abrir espaço para cuidar de si mesma.

Aprender a se acolher é um passo fundamental. Reconhecer que não recebeu o que gostaria, validar essa falta e, ainda assim, se permitir experimentar novas formas de afeto com o filho pode ser libertador.

Esse movimento não apaga o passado, mas oferece a possibilidade de construir algo novo. Quando uma mãe diz a si mesma: “Eu não recebi, mas quero tentar oferecer”, ela já está abrindo uma nova possibilidade de vínculo.

Muitas mães acreditam que deveriam sentir um amor intenso e imediato no nascimento do bebê. Quando isso não acontece, sentem culpa e vergonha. É importante reforçar: o afeto não é sempre instantâneo.

O vínculo é fruto de convivência, de ajustes diários entre mãe e bebê, de descobertas feitas juntos. É comum que ele se fortaleça gradualmente, e isso não significa que a mãe não ame ou não seja capaz de amar. Significa apenas que o processo é humano, não automático.

O afeto pode estar presente em ações concretas: oferecer o colo, alimentar, observar, atender às necessidades do bebê. Essas práticas constroem uma base segura para a criança e também ajudam a mãe a perceber que o vínculo está sendo criado, mesmo que não pareça perfeito ou intenso desde o início.

A importância da rede de apoio

Nenhuma mulher deveria viver a maternidade sozinha. Cuidar de um bebê exige energia física, mental e emocional, e não é razoável esperar que apenas a mãe dê conta de tudo.

Ter uma rede de apoio — seja composta por familiares, amigas, companheiros, serviços de saúde ou grupos de mães — faz diferença. O suporte não precisa ser ideal para ser útil. Às vezes, é uma escuta atenta, uma ajuda prática em casa, alguém que segura o bebê por alguns minutos para a mãe descansar. Quando a mulher se sente cuidada, encontra mais condições de cuidar também. Isso não elimina os desafios, mas diminui o peso.

Se você não se sentiu acolhida quando criança, isso pode doer ao se tornar mãe. Mas essa dor não define sua maternidade. Ela pode ser olhada, elaborada e, aos poucos, transformada.

Permita-se viver a sua experiência sem buscar modelos perfeitos. O vínculo com seu filho será resultado das tentativas diárias, e não de um padrão ideal. Se em algum momento sentir que o peso é grande demais, procurar ajuda profissional pode ser fundamental. O acompanhamento psicológico é um espaço onde é possível falar sem medo de julgamento e encontrar novas formas de lidar com essas questões.

A maternidade pode reabrir feridas antigas, mas também pode ser um espaço de reconstrução. Não é um caminho fácil nem linear, mas é possível.

Se você se preocupa em oferecer afeto ao seu filho, essa preocupação já mostra o desejo de romper com padrões que lhe causaram dor. Não se trata de apagar o passado, mas de criar algo novo, possível, dentro da sua realidade.

Cada gesto importa. O vínculo não precisa ser perfeito, precisa ser verdadeiro e possível dentro da sua história.

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