ELA acorda às 5h30, deixa preparado o café da manhã das crianças, dá um beijo em cada uma delas, que seguem dormindo, ajeita as mochilas e se despede do companheiro — que ainda está na cama.
Depois de um dia de trabalho, cansada e se martirizando por não ter comparecido a mais uma reunião escolar, ELA vai para a faculdade.
Entre uma aula e outra, envia mensagem à sua mãe, que neste momento é a pessoa responsável por cuidar das crianças. Se certifica se os pequenos tomaram banho, se já jantaram, pergunta como foi o dia de cada um. E quando pensa em fazer uma chamada de vídeo para os meninos, eis que é brutalmente vetada pela aguda sirene sonora da faculdade que avisa que é hora de voltar à aula.
O tempo é mesmo implacável. Parafraseando o saudoso Cazuza, “o tempo não para”. Não para e parece ser duplamente impiedoso com essa mãe e sua rotina de trabalho e estudos, retirando dela momentos únicos, que foram perdidos e que jamais serão revividos: o primeiro dente de leite que caiu, o abraço desejando um bom dia de aula na porta da escola, a escrita da primeira letra cursiva.
Nesta noite, assim como em todas as outras da longa semana, ELA chegou em casa tarde. O companheiro, já em casa, sentado na sala, controle remoto na mão, televisor ligado em mais um imperdível episódio da série de emergências médicas. Em passos apressados, ELA vai em direção ao quarto das crianças na esperança de encontrá-las despertas para contar uma historinha antes de dormirem, ou quem sabe escutar daquelas doces vozezinhas as últimas traquinagens que aprontaram naquele dia. Em vão. Já passava das dez e trinta e o que restou para ELA foi a pilha de louça do jantar, os uniformes dos meninos para lavar e os brinquedos espalhados na sala para guardar.
Ele? Suficientemente cansado para “ajudar”.
Sem forças — físicas e mentais — para dar início a uma nova discussão sobre o quão necessário seria a parceria dele no cuidado da casa, no cuidado com os meninos, ao menos nesses três anos que restavam para o término da faculdade, ela decide mais uma vez se calar. E ali, naquele momento, mesmo tendo alguém ao lado que recebe o título de companheiro, o que ELA mais se sente é sozinha, desacompanhada.
Estudar, para essa mulher, é quase um ato de resistência. Ela quer um futuro melhor, uma carreira promissora, um diploma que abrirá portas. Mas a verdade é que seu maior desafio não são os estudos em si — e sim a falta de apoio, que vem de mãos dadas com aquela velha sensação de carregar o peso do mundo nas costas.
A solidão da mulher acompanhada, arrisco dizer que seja a mais cruel. Aos olhos da sociedade, ela trabalha e, veja bem: ainda tem o privilégio de poder estudar, já que tem um companheiro para lhe dar o suporte.
Reclamar? Só se for em silêncio, afinal é muita ausência de sororidade, uma mulher que não é mãe solo reclamar da falta de apoio.
Mas o que a sociedade não vê é que por trás do estereótipo de mãe acompanhada, ELA navega num mar de solidão à beira de um náufrago, enquanto o outro segue vivendo sua rotina, como se as responsabilidades de ser mãe e estudante fossem uma escolha individual.
Após se banhar e preparar seu jantar, ELA foi dormir com lágrimas abafadas no travesseiro, se questionando se todo o esforço valeria à pena? Se algum dia, a outra parte entenderia que o que ela mais queria era um estímulo para seguir adiante. Talvez um jantar preparado para quando ELA chegasse da extensa rotina, ou um “estou aqui se você precisar”.
Cansada, ELA adormece em meio aos pensamentos. É apenas o início da semana.
Essa é a história de ELA.
ELA pode ser eu, pode ser você, pode ser sua vizinha, sua colega de trabalho e tantas outras mulheres que silenciosamente dividem suas casas com companheiros que não são parceiros, e que assim como a mãe que materna solo, compartilham das mesmas batalhas do dia a dia, sozinhas.
Mais que um apelo, esse é um alento para que você, mãe acompanhada, porém solo, saiba que existem outras mulheres vivendo a mesma dor silenciosa. Se você está aí, lutando, estudando, cansada e muitas vezes incompreendida, você não está sozinha. Estamos juntas, mesmo que a sociedade insista em dizer o contrário.
Siga! Por nós e por todas as ELAS que aí estão e as outras que estão por chegar.