Há duas semanas eu tento escrever este artigo, porém paro em alguns pontos que me fazem apagar todo o texto, como se eu não conseguisse expor as ideias.
Sem um título, ou um tema definido, tudo o que eu queria era exprimir a dor que tenho sentido em tempos de quarentena devido aos abusos, as alfinetadas e as críticas, que as mães estão recebendo, como se fôssemos seres invisíveis, que só se materializam quando alguém quer nos culpar por alguma coisa.
O fato de sermos as forças invisíveis, que fazem tudo funcionar, quando ninguém se interessa em fazer; o fato de sermos tão santificadas e, ao mesmo tempo, tão julgadas; não é apenas cruel, como também nocivo em níveis alarmantes.
Ninguém respeita a saúde mental das mães que, muitas vezes sozinhas e abandonadas, fazem uma jornada tripla, quádrupla, para criar um ser humano da melhor forma possível. Ninguém vê esse esforço.
Você pode fazer um milhão de coisas certas, mas se errar uma, pode ter certeza de que vão te culpar por esse erro. Vão te massacrar por isso e, quando você estiver jogada no chão gritando que não aguenta mais, vão te dizer “Abriu as pernas porque quis!”, “Na hora de fazer não chorou!”.
Ontem, eu recebi mais de uma vez, através do whatsapp, um texto que dizia assim “A todas as mães que dizem poder ensinar melhor que os professores, chegou a hora, esse é o seu momento de brilhar.”.
É muito irônico receber esse texto, afinal, nos últimos 20 dias de aula de 2019, a minha filha foi afastada da escola. Um ambiente que ela costumava amar tornou-se estressante para ela.
Ela ficou de férias por mais dois meses, e com apenas dois dias de aula em 2020, ela foi novamente afastada pela psiquiatra, dessa vez por mais 60 dias – agora por tempo indeterminado –, porque a escola não deu conta dela. Sendo que ela tem uma professora auxiliar só para ela, mas quem tem alfabetizado a minha filha e ensinado em casa sou eu.
Em muitos momentos recebi telefonemas da escola, onde precisei parar tudo o que estava fazendo (mercado, médico, etc.), afirmando que não estavam com condições de ensiná-la, porque ela estava irritada.
O que eu estou fazendo em todos esses meses, senão o trabalho da equipe docente da escola? Será que eu já não estou há muito tempo provando que, infelizmente, eu que não tenho qualquer formação, que sou um “se vira nos 30” em forma de mãe, que está fazendo um trabalho que não é meu, que outras pessoas foram preparadas e pagas para isso? Será que NINGUÉM viu o que eu estou fazendo?
Não estou menosprezando o trabalho de todos os professores – até porque a minha opinião a respeito do despreparo de inúmeros profissionais já foi escrita aqui anteriormente –, mas estou perguntando, com o coração aberto, se ninguém viu o meu esforço a respeito disso?
E quando eu falo o meu esforço, estou me referindo a todas as mães que passam o mesmo aperto que eu e, acreditem, conheço muitas que passam por isso. Somos muitas e, ao contrário do que dizem, não sofremos em silêncio, sofremos silenciadas!
Outra coisa que eu estava notando é a total falta de empatia das pessoas nesta época de pandemia, onde um texto circulou entre as pessoas, falando de forma fria e cruel, em detalhes, de como seria se os nossos filhos fossem infectados com o COVID-19.
O texto abordava, sem qualquer humanidade, sobre como eles ficariam abandonados e morreriam sem podermos nos despedir, concluindo com a mensagem “fiquem em casa!”.
Eu entendo que estamos passando por um momento em que dependemos muito mais da compreensão das pessoas para se isolarem, pois a ciência não possui tempo hábil para combater o vírus com a cura, ou com a prevenção. Mas mesmo assim, novamente, não pensam nas mães.
Não pensam nas mães que trabalham em hospitais, nos mercados e estabelecimentos que não fecham. Empresas que não dispensaram os seus funcionários, estes que estão passando maus bocados pensando que, além de estar transmitindo, podem contrair o vírus, adoecer e faltar para seus filhos.
Pensem como está a cabeça das mães solo, que não possuem rede de apoio, que não possuem alternativas, e que se preocupam em adoecer os seus filhos. Pensem nas mães que, mesmo isoladas com os seus filhos, têm transtorno de ansiedade. Pensem em quanto elas já sofrem diariamente e agora ainda mais pensando na possibilidade de ter um ataque de pânico, não poder ser socorrida, porque durante o socorro podem contrair o vírus e infectar seus filhos.
Reflitam sobre a falta de responsabilidade que é espalhar esse tipo de texto. Mas ninguém está nem aí com isso. O que importa é culpar a mãe, quando ela faz algo errado. O que importa é jogar a culpa na mãe semianalfabeta, que ficou com a missão de ensinar aos filhos na quarentena, missão essa que era dada a pessoas que se prepararam por anos e, infelizmente, muitas vezes mal cumpriam seus papéis.
Isso tudo sem falar nas mães de autistas, cujos filhos estão sem as terapias e confinados em casa, aumentando as crises. Nós sabemos que é o melhor para eles, mas nem por isso se torna fácil.
Aqui, as crises que estavam controladas, voltaram a ser diárias. São momentos de sofrimento, momentos em que não conseguimos explicar a eles o que é o corona vírus, o perigo que ele representa de mortalidade.
Nada disso faz sentido para eles. É como se a gente falasse “Olha o corona virus pode matar” e eles dissessem “tá bom, vamos passear!”.
Para eles é diferente, o mundo deles é diferente. E não tem como mudar isso. É sim preciso muito esforço, jogo de cintura, toda a criatividade do mundo, mas nem sempre é fácil.
Nem todo autista é aquele calminho que mostram por aí. The Good Doctor? Aquilo é menos de 1%. Tem muito mais comorbidades que fazem com que eles se estressem, se agitem mais do que aqueles que têm um comportamento introvertido, quieto. E independente de como for, eles sofrem muito e nós sofremos juntos.
Os autistas têm um problema sério com a quebra de rotinas e essa pandemia mudou completamente a rotina de todos. Embora seja necessário, é um sacrifício enorme essa fase de adaptação.
A quarentena está mostrando cada ser humano como ele realmente é. O que pensa e como age. Se as pessoas acham que não é a hora de pensar no próximo, então eu não sei dizer quando é que a humanidade estará pronta para pensar no bem estar alheio, principalmente no bem estar das mães.