Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | Maternar, língua universal

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Com a exceção de quem mora em Portugal, Angola, Macau ou tantos outros países espalhados pelo mundo onde a língua portuguesa é a língua oficial, aqueles que saem do Brasil em algum momento irão se deparar com o imenso desafio que é a língua do país em que escolhem morar.

Todos, em algum momento, terão um mal-entendido, ficarão sem palavras, terão de se comunicar por gestos. E como mãe, esse desafio começa mesmo antes da concepção. 

Quando fiz a primeira visita à ginecologista, ela me perguntou se eu já havia tido relações antes. (Só que ela usou uma palavra, em alemão, que eu nunca ouvira na vida para designar o ato!). Então eu disse “não” ao invés de pedir pra repetir ou reformular a pergunta, e ficamos na discussão de como eu iria fazer uma inseminação artificial, — eu explicando que não queria nada disso e ela teimando comigo de que era a única maneira e eu tentando entender como a discussão chegou naquilo—! Depois de 20 minutos, conseguimos nos entender falando um portunhol terrível.

E isso foi só o começo. Tivemos ainda muitos episódios de mal-entendidos nos consultórios e muitos medos também. E esses questionamentos começaram a dar lugar para as asas da imaginação da nossa querida ansiedade. Tão criativa e sem limites, a amada ia longe.

Além do medo de não saber ao certo quando começa o trabalho de parto, havia o medo de não saber explicar para o médico o que acontecia, não entender o que estavam fazendo comigo ou com o bebê. 

E quando entrar na escola? Como eu poderei ajudar essa pobre criança a escrever uma redação se até hoje eu não sei declinar artigos? Meu Deus, pior ainda! Uma coisa que está muito mais próxima? E quando o bebê aprender falar? Falará pelas minhas costas, com gírias que não conheço para que eu não entenda? E se ela não quiser falar português? Se tiver horror à língua materna e nunca conseguir se comunicar comigo na língua que processa o som da minha alma?

No final das contas deu tudo certo (e continua dando também). Mesmo que, às vezes, aos trancos e barrancos com o idioma, seja necessária uma mímica aqui e ali (eu tentando explicar ao médico que o bebê tinha que tomar a vacina da caxumba, sem saber a palavra caxumba em alemão foi o ápice da minha vida. Afinal de contas não basta ser mãe, tem que passar sempre muita vergonha). 

É tão difícil não se sentir impotente e fora de lugar nessas situações. Eu já fui tomada inúmeras vezes por uma frustração sem tamanho e com uma criança nos braços é ainda mais complicado, mas sempre acaba dando certo.

E sempre dá certo porque o maternar é uma língua universal. Mesmo as línguas sendo tão diferentes entre si. O maternar pode ser lido nos olhos angustiados de uma mãe com um bebê doente, no sorriso grato de um bebê para sua mãe, na alegria de ambos quando se encontram ao final do dia na saída da escolinha, no cabelo despenteado da mãe que não dormiu.

Estar mergulhada em uma cultura de língua tão diferente em si já é assustador. Com uma criança nos braços então… E mais uma vez, a resposta vem da força que a maternidade nos dá. Pelos filhos, seguimos passando vergonha, perdendo o medo, estudando, ouvindo alguns desaforos pelo caminho e muito mais. 

Diante da imensidade da força de uma mãe, até os obstáculos linguísticos e o desafio da língua se tornam obsoletos.

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