O avião caiu no meio do nada.
O mar, revoltado, vomitou os destroços com ondas violentas, enquanto a selva densa engolia os corpos numa quietude ameaçadora. Alguns sobreviveram. Clara estava entre eles.
No primeiro dia, o desespero queimava em seu peito como uma chama insaciável, mas havia ainda uma tênue esperança no ar pesado e úmido. No segundo, a fome começou a corroer não só o estômago, mas a mente, dilacerando a calma que restava. No terceiro, o medo tornou-se uma sombra silenciosa que se enroscava em seu peito, apertando a respiração.
Na quarta noite, Clara percebeu uma verdade cruel e esmagadora: ela era a única mulher.
Seis homens restavam, seus corpos marcados pelo cansaço e pela dor, mas ainda carregavam a máscara frágil da civilização. Ainda. Mas os olhares começaram a mudar — tornaram-se vazios, predatórios. As palavras, doces demais, carregadas de intenções ocultas. As mãos que se ofereciam tremiam com um desejo selvagem, ancestral.
Na sexta noite, Clara ouviu uma voz rouca sussurrar no escuro:
— Só estamos nós. O mundo que conhecíamos já acabou. Agora sobra só o instinto.
Ela sentiu o peso dessa sentença cravar-se na pele. Talvez ela não fosse um animal. Então, seria presa para aqueles que já o eram.
O coração dela martelava com força insana, ameaçando romper o peito. O medo era denso, sufocante, um nó invisível apertando sua garganta.
Ela não podia esperar. Não podia dar tempo para que eles decidissem seu destino.
Quando os primeiros raios de sol mal conseguiam atravessar a névoa que ainda cobria a ilha, Clara já não estava lá.
Silenciosa, subiu o penhasco, sentindo o vento gelado cortar a pele, a brisa salgada do mar envolvendo seu corpo como um aviso sombrio. Fechou os olhos, e se lançou no vazio, abraçando o silêncio do abismo.
A Ilha Está Sempre Faminta
O desespero consumiu o primeiro dia, mas uma chama de esperança ainda tremulava nas almas cansadas.
O segundo trouxe uma raiva selvagem, primitiva.
O terceiro, uma fome voraz que corrói a alma.
O quarto, a morte.
Um a um, os homens começaram a desaparecer.
Um foi encontrado sem pele, uma carcaça abandonada como se o próprio vento a tivesse devorado.
Outro, partido ao meio, como um animal abatido no matadouro.
— Tem alguma coisa na ilha — murmurou um deles, a voz engasgada pelo terror.
Mas já era tarde demais.
Na sexta noite, o último homem acordou com a respiração presa na garganta.
A névoa adensava-se, cobrindo a clareira como um sudário pálido. O silêncio era mortal.
Ali, parada entre as árvores, estava Clara.
Nenhum ferimento, nenhuma arranhadura, nenhum vestígio de luta.
Só seus olhos.
Olhos vazios.
Olhos mortos.
Olhos que nunca deveriam ter retornado do fundo do mar.
O último homem não teve tempo para um grito.
A ilha nunca deixava testemunhas.
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Autora: Kelly Carvalho / @francky0908