Até quando muda um cérebro?

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Há muito tempo, penso em um tema para escrever aqui. Mas eu, tão cheia de palavras e de assunto que quero discutir, não conseguia fechar uma ideia para abordar. Deve ser essa história das mudanças no cérebro materno, o foco que muda de lugar e se perde em meio a tantas demandas. Mas que nunca sai efetivamente dos filhos. 

Recentemente eu comecei a fazer o processo para tirar habilitação. No entanto, já levo muito mais do que o tempo regular para isso, entre aulas extras e reprovações. Minha mente, que dava conta de escrever e cantar ao mesmo tempo, acompanhando a programação da TV, planejando o almoço e calculando a hora de sair pra universidade, hoje não consegue controlar a embreagem enquanto observa o que acontece fora do carro. Porque hoje a minha cabeça tem uma demanda muito maior.

É a demanda de equilíbrio. Pensar no almoço, guardar embalagens para montar um brinquedo que estimula, contar a hora do antibiótico pra não atrapalhar o sono, levar na fisioterapia sem atrapalhar o horário de comer, verificar as vacinas, limpar o chão, sair para comprar fraldas. Mais do que tudo isso, é gerar o tempo de qualidade. É prestar atenção nos aprendizados, nas demandas. É dar atenção, é criar momentos e hábitos nossos. Sem falar na amamentação, que puxa do corpo toda a energia que ainda resiste. 

No meio disso tudo, voltei da licença. E aí preciso pensar mais, avaliar, ler, criar, ensinar. Vamos fazer uma crítica do Mundo Bita. Estudar o Show da Luna. Analisar o Cocoricó. E discutir os papéis de gênero na universidade.  Denunciar as opressões e violências. Evidenciar aquilo que muda materialmente depois que nos tornamos mães. E profissionais-mães. 

Minha volta, como a de todas nós, não foi fácil. Tampouco uma simples retomada de trabalhos, depois que a gente sai de férias. Começo cansada. E trago comigo tudo o que me tornei. Assumi um novo cargo (raridade na minha condição, sabemos). E, agora, cada passo meu tem o sentido de transformar esse espaço que, um dia, quero que meu filho ocupe. Me tornei uma profissional cujo principal objetivo é lutar por outras mães. Lutar pelo vínculo, pela construção, pela permanência. 

Meu trabalho hoje trata, quase que psicanaliticamente, os traumas do meu puerpério de colo vazio, de lactário frio. Resgata em mim toda a energia que eu segurei com força, ao esperar meu filho de volta nos meus braços. Meu trabalho, hoje, é com outras mulheres que querem cuidar de suas crias e produzir conhecimento. O saber do amor, como ensina bell hooks. Meu trabalho é garantir que se registrem esses saberes. Se já foi de ensinar, meu trabalho agora é aprender. 

Quando comecei esse texto, eu sabia, mas ainda não aceitava as mudanças no meu cérebro. Acho que continuo sem aceitar, no entanto agora busco estratégias pra sobreviver. De lá pra cá, tirei a habilitação (na sexta tentativa, no último dia do meu processo). Porém, meu pensamento segue muito devagar. 

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Autora: Gisa Carvalho / @_gisacarvalho

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